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    Corrida e festa homenageiam atleta desaparecido na ditadura argentina

    RODOLFO LUCENA
    EM BUENOS AIRES

    18/10/2014 08h23

    Um abraço coletivo na escola Ernesto Che Guevara, em Berazategui (Grande Buenos Aires), marca na tarde deste sábado (18) o início das homenagens ao corredor Miguel Sánchez, atleta sequestrado durante a ditadura argentina e até hoje desaparecido.

    Completam a celebração uma corrida e caminhada e uma festa com música e discursos. Dos mais de mil participantes esperados, muitos correm estampando o número 142, usado pelo atleta em uma de suas últimas provas.

    O percurso de 7,5 km passa em frente à casa onde Sánchez viveu e foi capturado por paramilitares na madrugada de 8 de janeiro de 1978, dias depois de ter participado em São Paulo da São Silvestre.

    "Foi o primeiro caso a vir à tona na Argentina. O fato de ele ter desaparecido após uma viagem ao Brasil indica um possível envolvimento dos dois países, talvez uma ação da Operação Condor", diz o cineasta brasileiro Miguel Outeiral, que realizou o documentário "Atletas x Ditadura - A Geração Perdida".

    Investigações realizadas após a década de 1990 mostraram que o número de casos é maior. O livro "Esporte, Desaparecidos e Ditadura", de Gustavo Veiga, lista 26 esportistas mortos ou desaparecidos. Hoje, estima-se que haja umas 50 vítimas, segundo Outeiral —no total, a ditadura argentina deixou 30 mil mortos ou desaparecidos.

    Mais novo de dez filhos de um trabalhador da indústria açucareira em San Miguel de Tucumán, no noroeste do país, Miguel saiu de casa no final da adolescência para tentar a sorte no futebol. Sem grande sucesso, chegou a participar de divisões inferiores de dois clubes. Para ganhar a vida, virou bancário, quando começou a militar na Juventude Peronista -fazia trabalhos sociais e distribuía panfletos na região em que morava, em Berazategui.

    Mas não largou o esporte. De boleiro passou a corredor. Treinado pelo também peronista Oswaldo Suarez, tricampeão da São Silvestre (1958, 1959, 1960), fez três vezes a prova brasileira. Na última ida a São Paulo, em 1977, aos 25 anos, teria atuado também como mensageiro do grupo guerrilheiro Montoneros.

    "É provável que no Brasil tenha havido alguma conversa com alguém que o tenha traído", diz a irmã de Miguel, Elvira Sánchez. Ela ainda mora na casa da família em Berazategui e acompanha as celebrações em sua memória —a corrida desta tarde não é a única em homenagem a ele.

    A primeira prova celebrando a história de Miguel foi em Roma, no ano 2000, organizada por um jornalista e corredor italiano. No ano seguinte, houve a estreia da corrida em Buenos Aires. A prova em Berazetegui nasceu em 2005.

    "Há 26 corridas na Argentina, uma em Roma e outras em Havana e Barcelona", diz Ana Paredes, professora na Che Guevara e uma das organizadoras da Carrera de Miguel, que tem como slogan "correr para não esquecer". Por mobilização da escola, a rua onde ela fica ganhou o nome do corredor, que também é homenageado em uma rua em Buenos Aires.

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