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    Combate a milícia provoca crise na Turquia

    VALNEI NUNES
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE SURUÇ (TURQUIA)

    19/10/2014 00h00

    Eles cruzam a fronteira entre Síria e Turquia dia e noite sem parar. Caminham até dez dias e dormem ao relento.

    Desde o dia 10, quando se intensificaram os ataques aéreos dos EUA contra a investida do Estado Islâmico (El) sobre a cidade síria de Kobani, estima-se que mais de 180 mil refugiados tenham chegado à Turquia. É um fluxo interminável de caminhões lotados de famintos empoeirados e desidratados.

    Segundo a Acnur (Alto Comissariado da ONU para Refugiados), os desalojados sírios são o maior desafio operacional dos 64 anos de história da organização. Para a ONU, o deslocamento é a maior tragédia humanitária deste século.

    Dos mais de 3 milhões que saíram da Síria desde o início da guerra civil, há mais de três anos, 80% são crianças e mulheres, segundo a ONU.

    Nena, 7, é uma das milhares de crianças que deixaram tudo para trás e buscaram abrigo em Suruç, a cidade turca mais perto da divisa síria. Há duas semanas, ela espera numa mesquita o retorno do pai, que se juntou à milícia curda para lutar contra o EI.

    Muitos dos que alcançam a fronteira têm suas famílias separadas por falta de espaço nos campos de transição ou nos caminhões. "Éramos 30 quando chegamos e logo fomos divididos em duas cidades", diz Asharaf Mahmood, professor de inglês sírio e ex-morador de Kobani.

    Os 13 integrantes da família da matriarca Amned, 70, andaram durante cinco dias até chegar à fronteira. Na travessia, ela perdeu um dos filhos. "Bombas explodiram quando tentávamos fugir. Um dos meus filhos, que é deficiente auditivo, não ouviu as explosões e sumiu durante os bombardeios", relata, ao prantos, enquanto segura a foto do filho desaparecido.

    Amned vive com toda a família sob uma barraca com capacidade para cinco pessoas, num dos muitos acampamentos de Suruç.

    Famílias inteiras disputam qualquer espaço disponível. Com mesquitas, lojas e escolas lotadas, muitos dormem nas praças e calçadas. Com 60 mil habitantes, Suruç viu sua população mais do que dobrar nos últimos meses.

    IMPROVISO

    Há apenas uma refeição por dia para cada família refugiada. Muitas vezes crianças são as responsáveis por buscar a comida. Carregam arroz e carne com molho em baldes. Também têm direito a pão e iogurte. Chegam a transportar refeição para 20 pessoas.

    Muitos refugiados passam o dia deitados em tapetes e usam banheiros improvisados sem quase nenhuma higiene. Cumali, agricultor de 46 anos e pai de cinco filhos, conta que há seis dias saiu de Kobani com a família. Foram instalados de forma improvisada ao lado do muro que rodeia um acampamento. "Sem barraca, sem lona, dormimos ao ar livre", reclama. Há dias sua família permanece exposta a sol e chuva.

    Não bastassem as condições precárias, algumas cidades expulsam os refugiados. Alegando que provocam brigas e caos, Gaziantep, a 120 km da fronteira, expulsou mais de 3.000 pessoas para a cidade vizinha de Saniurfa.

    Nessa guerra, há solidários como Ralili, 64, comerciante turco que abriu para mais 15 pessoas as portas da casa onde mora com cinco parentes. Ele alimenta e dá conforto aos refugiados sírios. Para a maioria, contudo, ainda faltam itens básicos como colchão, cobertor e remédios.

    A estudante Muna, 15, teve o corpo queimado por uma bomba enquanto preparava um chá em Kobani. Em Suruç, espera há mais de dez dias medicamentos para o tratamento das queimaduras.

    Nos últimos dias, a situação se agravou a ponto de o Programa Alimentar Mundial, a filial de auxílio alimentar da ONU, ter alertado que poderá suspender a distribuição de alimentos se não tiver financiamento suplementar.

    Será necessário que outros países se mobilizem e desenvolvam programas de doação e caridade, como é o caso da Alemanha que, na semana passada, aprovou um pacote de ajuda humanitária de € 10 milhões (cerca de R$ 30 milhões) para auxiliar os milhões de refugiados da Síria e do Iraque.

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