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    Nazistas expulsos dos EUA receberam milhões da seguridade social

    DAVID RISING
    RANDY HERSCHAFT
    RICHARD LARDNER
    DA ASSOCIATED PRESS, EM OSIJEK (CROÁCIA)

    20/10/2014 13h10 - Atualizado às 21h29

    Dezenas de suspeitos criminosos de guerra nazistas e guardas da SS receberam milhões de dólares em benefícios da Seguridade Social dos EUA depois de serem forçados a deixar os Estados Unidos, descobriu uma investigação da Associated Press.

    Subscritos pelos contribuintes americanos, os pagamentos passaram por uma brecha legal que possibilitou ao Departamento de Justiça americano persuadir nazistas suspeitos a deixar os EUA.

    Conforme revelaram entrevistas e documentos internos do governo americano, quando eles partiram voluntariamente ou simplesmente fugiram antes de ser deportados, puderam continuar a receber pagamentos da Seguridade Social.

    Entre as pessoas que receberam os benefícios houve soldados armados da SS que tinham sido guardas na rede de campos nazistas onde morreram milhões de judeus, um cientista aeroespacial que usou trabalhadores escravos em suas pesquisas no Terceiro Reich e um colaborador nazista que arquitetou a detenção e execução de milhares de judeus na Polônia.

    Há pelo menos quatro beneficiários ainda vivos. Entre eles estão Martin Hartmann, ex-guarda da SS no campo de Sachsenhausen, na Alemanha, e Jakob Denzinger, que patrulhava o campo de Auschwitz, na Polônia.

    Hartmann mudou-se do Arizona para Berlim em 2007, pouco antes de ser destituído da cidadania americana. Denzinger fugiu do Ohio para a Alemanha em 1989, quando soube que estava um curso um processo para destituí-lo de sua nacionalidade americana adquirida por naturalização.

    Ele se radicou na Croácia e hoje vive num apartamento amplo na margem direita do rio Drava, em Osijek. Questionado por um repórter da AP, ele se negou a comentar sua situação. Seu filho, que vive nos Estados Unidos, confirmou que Denzinger recebe pagamentos da Seguridade Social e disse que ele os merece.

    Os acordos permitiram que a antiga unidade de caça a nazistas do Departamento de Justiça americano, o Escritório de Investigações Especiais (Office of Special Investigations, ou OSI) evitasse audiências prolongadas de deportação e aumentasse o número de nazistas que expulsou do país.

    Mas documentos governamentais internos aos quais a AP teve acesso revelam que o Departamento de Estado fez objeções intensas às práticas do OSI.

    Funcionários diplomáticos dos EUA disseram que os benefícios da Seguridade Social tornaram-se ferramentas para garantir acordos pelos quais suspeitos nazistas aceitariam a perda de cidadania e deixariam os Estados Unidos de modo voluntário.

    "É um ultraje total que criminosos de guerra nazistas continuem a receber benefícios da Seguridade Social quando já foram proscritos em nosso país há muitos, muitos anos", disse a deputada democrata Carolyn Maloney, de Nova York, integrante sênior do Comitê de Inspeção e Reforma Governamental da Câmara.

    Ela disse que pretende propor legislação para fechar a brecha.

    Efraim Zuroff, o principal caçador de nazistas do Centro Simon Wiesenthal, em Jerusalém, disse que vai apoiar os esforços nesse sentido. "Se isso pode ser feito, deve ser feito", declarou em entrevista na segunda-feira.

    A análise da AP constatou que desde 1979 pelo menos 38 de 66 suspeitos afastados do país mantiveram seus benefícios da Seguridade Social.

    Em 1997 a Administração da Seguridade Social expressou ultraje pelo uso dos benefícios, revelam os documentos, e as reações negativas em capitais de outros países reverberam nos mais altos escalões do governo.

    As autoridades austríacas ficaram furiosas quando souberam de um acordo fechado com Martin Bartesch, ex-guarda da SS no campo de concentração de Mauthausen, na Áustria. Em 1987, Bartesch desembarcou no aeroporto de Viena, sem ser anunciado. Dois dias mais tarde, sob os termos do acordo, sua cidadania americana foi revogada.

    De uma hora para outra, Bartesch, que nasceu na Romênia e tinha emigrado para os Estados Unidos em 1955, ficou apátrida e passou a ser problema da Áustria. Bartesch continuou a receber benefícios da Seguridade Social americana até sua morte, em 1989.

    "Não foi declarado, não foi transparente, não foi um processo legítimo", disse James Hergen, assessor jurídico assistente no Departamento de Estado de 1982 a 2007.

    "Não é assim que a América deveria agir. Não deveríamos jogar nosso lixo, por falta de um termo melhor, em países amigos."

    Neal Sher, um ex-diretor do OSI, disse que o Departamento de Estado estava mais preocupado com as formalidades diplomáticas que em responsabilizar ex-membros da máquina de guerra de Adolf Hitler por seus atos.

    Em meio às objeções, a prática conhecida como "dumping de nazistas" parou. Mas a brecha da Seguridade Social não foi fechada.

    Um porta-voz do Departamento de Justiça, Peter Carr, disse em comunicado enviado por e-mail que os pagamentos da Seguridade Social nunca foram usados para persuadir nazistas suspeitos a deixar o país voluntariamente.

    A Administração da Seguridade Social rejeitou o pedido da AP de informação sobre o número total de nazistas suspeitos que receberam benefícios e os valores em dólares desses pagamentos.

    O porta-voz William "BJ" Jarrett disse que o órgão não rastreia dados relacionados especificamente a casos de nazistas.

    Jarrett disse que um obstáculo adicional é que não existe na lei americana de privacidade nenhuma exceção "que nos permita revelar informações pelo fato de o indivíduo ser criminoso de guerra nazista ou acusado de ser criminoso de guerra nazista".

    O departamento não permitiu que sua comissária, Carolyn Colvin, ou outro funcionário sênior fossem entrevistados.

    Paul Shapiro, diretor do Centro Mandel de Estudos Avançados do Holocausto, do Museu Memorial do Holocausto americano, disse que a revelação de que muitos receberam benefícios da Seguridade Social mesmo depois de serem expulsos do país diz muito.

    "Além do enfraquecimento dos valores americanos representado por essas pessoas, como grupo elas ganharam influência sobre a política governamental em áreas críticas ligadas à segurança nacional e à política de imigração", ele declarou na segunda.

    "Mesmo décadas mais tarde, quando foram forçadas a deixar o país, continuaram a fazer uso dessa influência às custas do contribuinte americano."

    Tradução de CLARA ALLAIN

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