Uma bandeira tremula no topo de um obelisco, diante da basílica de São Pedro. É o estandarte do Estado Islâmico, erguido no Vaticano.
A montagem compõe a capa da edição mais recente da revista "Dabiq", publicada por essa organização terrorista mais conhecida por decapitar reféns ocidentais –sempre filmando e divulgando o ato na internet.
A publicação, em inglês, surgiu em julho e já está no número quatro.
O título da edição mais recente é "A Cruzada Fracassada", referência aos esforços ocidentais em derrotar a milícia radical.
A revista, cuja última edição tem 56 páginas, é facilmente acessável a partir de sites de buscas.
O próprio nome "Dabiq" se refere a uma cidade na Síria em que, segundo tradições islâmicas, será travada uma batalha apocalíptica entre cristãos e muçulmanos.
"Eles usam essa terminologia, que não é superficial, com um fim específico", diz à Folha o historiador Jonathan Berkey, autor de uma obra de referência sobre a formação do islã. "Eles escrevem de uma maneira que ressoa entre muçulmanos."
Por exemplo, quando chamam seu território de "califado" e também ao dizer que xiitas são "rafida" (refutadores) e condenar ramos vistos como desvios, a exemplo do "khariji" –todos aparecem mencionados por seus termos históricos, em árabe.
Assim como é feita de maneira tradicional a justificativa, nessa revista, à escravidão de mulheres yazidi, uma minoria étnico-religiosa hoje perseguida por militantes.
"O Estado Islâmico lidou com esse grupo da maneira que indica a maioria dos 'fuqaha' [juízes] para o trato de 'mushrikin' [politeístas]", diz a "Dabiq" na quarta edição.
O historiador nota, no entanto, que o conteúdo da revista provavelmente não é totalmente compreendido por seus seguidores, grande parte deles jovens recrutados no exterior.
"Eles não têm o conhecimento na ponta da língua, mas devem estar discutindo essas ideias agora", diz.
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Capa da quarta edição da revista "Dabiq", que tem como título " A Cruzada fracassada" |
POTÊNCIA
O Estado Islâmico, cujo objetivo é criar um regime fundamentalista em territórios hoje pertencentes a Síria e Iraque, tem na propaganda uma de suas armas. O grupo é bastante atuante, por exemplo, em redes sociais.
A "Dabiq" é publicada apenas em formato digital. Não há informações sobre o número de leitores nem detalhes de como e onde é feita.
"É seguro estimar que são dezenas de milhares [de leitores]", diz Ryan Mauro, analista de segurança nacional no projeto Clarion, que tem por missão "educar as pessoas sobre os perigos do extremismo".
"É a publicação jihadista em inglês mais potente com que já tive contato. É profissional, desenhada para ser persuasiva e com credibilidade em termos de acompanhamento das notícias."
Mauro enxerga na revista "Dabiq" diversos objetivos, incluindo vangloriar-se de conquistas recentes da organização, que considera os sucessos militares como sinais da aprovação de Deus. "A percepção desse momento, de ímpeto, é uma das ferramentas mais eficientes de recrutamento para o EI."
A revista também serve, afirma, para tecer justificativas teológicas para as ações.
"Muçulmanos ao redor do mundo, mesmo outros extremistas, dizem que o Estado Islâmico está violando os ensinamentos. O EI cita interpretações religiosas para argumentar que eles estão de acordo com a lei islâmica."
NOME E PROJETO POLÍTICO
"Chame do que quiser", no caso do Estado Islâmico, não é uma abordagem objetiva.
O nome da facção é também um projeto político, e seu uso define um posicionamento.
A França, por exemplo, se recusa a usar o termo "Estado Islâmico", pelo qual os próprios militantes se chamam.
Laurent Fabius, chanceler francês, notou em setembro que essa organização não é de fato islâmica e que referir-se a ela como tal é prejudicial à imagem do islã.
John Kerry, secretário de Estado americano, tem uma posição semelhante à de Fabius e se refere aos terroristas como "Daesh", tomando emprestada a sigla árabe.
"Daesh" abrevia "al-dawla al-islamiya fi al-Iraq wa al-Sham" –ou seja, Estado Islâmico no Iraque e no Levante.
Dessa maneira, o nome continua a referir-se à organização terrorista como um "Estado Islâmico". Mas "Daesh" também se parece, em árabe, com a palavras "daes" (alguém que esmaga algo embaixo do pé). Assim, tem carga pejorativa entre falantes da língua árabe.
A questão pode aparecer chateação linguística, mas especialistas têm notado quão importante é lutar contra o EI no campo da propaganda, onde a facção tem, afinal, vencido diversas batalhas.