• Mundo

    Thursday, 02-May-2024 11:24:08 -03

    Mulheres ocidentais se juntam a grupos extremistas islâmicos

    STEVEN ERLANGER
    DO "NEW YORK TIMES", EM LONDRES

    24/10/2014 12h16

    Os jovens muçulmanos ocidentais que procuram ingressar em grupos islâmicos radicais na Síria e no Iraque hoje incluem cada vez mais mulheres jovens que querem combater ou casar-se com combatentes.

    É um elemento novo em um esforço de recrutamento que já levou vários milhares de homens da Europa e outras regiões a acudir ao campo de batalha.

    Apenas na última semana as autoridades divulgaram dois casos de mulheres tentando chegar à Síria ou participar da jihad.

    Na quarta-feira a polícia britânica prendeu uma mulher de 25 anos ao norte de Londres por suspeita de preparar "atos terroristas" ligados aos combates na Síria. No fim de semana, três meninas adolescentes dos subúrbios de Dallas –duas irmãs de ascendência somali e uma amiga de origem sudanesa– foram interceptadas quando tentavam viajar para a Síria.

    Esses são os mais recentes de uma série de casos de jovens muçulmanas do Ocidente que procuram ingressar em grupos militantes como a Frente Nusra ou o Estado Islâmico, que trava uma campanha para criar um califado no Iraque e na Síria.

    O maior número de recrutas saiu da França e do Reino Unido, mas outras saíram da Áustria, Bélgica e Espanha.

    Há vários meses o Estado Islâmico vem travando um esforço coordenado para recrutar mulheres e meninas. O grupo está usando mulheres para recrutar mulheres, produzindo publicações novas e criando fóruns online.

    O número exato de mulheres interessadas em aderir aos grupos é incerto, mas alguns analistas estimam que cerca de 10% dos recrutas ocidentais são mulheres, em muitos casos influenciadas por redes sociais que oferecem conselhos, dicas e até apoio logístico para a viagem.

    Essas redes muitas vezes retratam a vida no califado como uma espécie de paraíso islâmico que oferece uma alternativa religiosa a algo que, em muitos casos, pode ser uma vida de segunda classe no Ocidente, marcado por dificuldades e alienação.

    Enquanto algumas mulheres gostam da ideia de casar-se com um combatente, outras "estão aderindo ao EI porque o grupo oferece uma nova política utópica, a participação na jihad e a possibilidade de fazer parte da criação de um novo Estado islâmico", disse Katherine E. Brown, professora de estudos de defesa no King's College London e estudiosa do fenômeno.

    Ela citou imagens nas mídias sociais de recrutas mulheres cozinhando, batendo papo, cuidando de crianças e tomando café com colegas.

    Ao mesmo tempo, há imagens de mulheres carregando fuzis automáticos, usando cintos de explosivos usados em ataques suicidas e até segurando cabeças cortadas.

    Brown disse que "a combinação de violência e domesticidade" é importante, dizendo que as mulheres são politicamente engajadas e, em muitos casos, sentem-se alienadas da vida, dos costumes e da política ocidentais.

    Dez dias atrás um grupo jihadista chamado Al Zawraa, composto exclusivamente de mulheres, anunciou sua criação na internet, dizendo que procura preparar mulheres para a jihad, ensinando-as sobre a sharia, o uso de armas, de mídias sociais e outras ferramentas online, primeiros socorros e a costurar e cozinhar para combatentes homens ("os heróis da religião").

    Segundo o SITE Intelligence Group, que monitora atividades extremistas, o Al Zaraa parece ser filiado ao grupo pró-EI Rede de Mídia Al Minbar.

    Historicamente, as mulheres compõem 25% dos membros de organizações terroristas tão diversas quanto o Exército Republicano Irlandês, combatentes tchetchenos e os Tigres Tâmeis, disse Brown.

    Mas, no caso da Frente Nusra e do Estado Islâmico, elas são 10%, uma porcentagem mais semelhante à que é vista nos movimentos de extrema direita.

    Nos últimos dois anos, segundo Brown, "200 mulheres, no máximo" saíram da Europa para a Síria ou o Iraque. Pelo menos um quarto delas viajou com membros de suas famílias -maridos, irmãos ou pais.
    As cifras variam, mas acredita-se que pelo menos 60 dessas mulheres sejam britânicas e que mais de 70 sejam francesas. A maioria teria entre 18 e 25 anos.

    Kamaldeep Bhui, professor de psiquiatria cultural e epidemiologia na Universidade Queen Mary, em Londres, disse que as mulheres muçulmanas jovens têm probabilidade tão grande quanto os homens de ser radicalizadas.

    "Existe uma epidemia crescente de moças" que querem ingressar na jihad, ele disse em um briefing organizado pelo Science Media Center em Londres.

    Bhui considera que as mulheres que correm o maior risco de se radicalizar são as que estão mais revoltadas com a injustiça e que mais toleram as formas violentas de protesto contra a injustiça.

    "O grupo que se solidariza [com a jihad] é formado por mulheres mais jovens, que estudam em tempo integral" e são de classe média, disse Bhui. "Elas têm probabilidade maior de sofrer depressão e isolamento social."

    Para ele, migrantes recentes que são mais pobres e têm menos tempo livre têm menos chances de ter tendências radicais, em parte porque se lembram dos problemas de seus países de origem.

    A antropóloga francesa Dounia Bouzar é a fundadora do Centro para a Prevenção de Excessos Sectários Ligados ao Islã. Ela constatou que na maioria dos casos as mulheres que buscam a jihad não são de famílias especialmente religiosas, mas são boas alunas que querem ir à Síria para se casar com um muçulmano devoto ou prestar assistência humanitária.

    "Há um misto de doutrinação e sedução", disse Bouzar. "Elas carregam fotos de Príncipes Encantados barbados no Facebook."

    A propaganda e as trocas de mensagens vindas do Estado Islâmico são de teor positivo, formando um contraste com a mensagem negativa transmitida por governos ansiosos, disse Brown, do King's College.

    "O EI oferece uma imagem positiva e diz: 'Você é bem-vinda aqui. Venha unir-se a nós na formação de um Estado ideal'. Já a mensagem dos governos ocidentais é muito negativa. Elas se sentem denegridas constantemente e isoladas."

    Consta que em Raqqa, uma cidade síria dominada pelo Estado Islâmico, algumas das mulheres britânicas estariam operando uma espécie de polícia religiosa feminina para monitorar comportamentos anti-islâmicos.

    Outras mulheres postam no Twitter imagens de comida, restaurantes e pores do sol, com a intenção clara de atrair mais recrutas.

    Uma vez chegadas à Síria, elas são forçadas a casar-se com jihadistas. Algumas que tentaram retornar foram feitas prisioneiras, dizem analistas. São obrigadas a trajar vestes que as cobrem dos pés à cabeça, com o niqab, o véu que cobre o rosto.

    De acordo com várias entrevistas com combatentes do EI no Iraque e na Síria através de serviços eletrônicos, incluindo e-mail e Skype, as mulheres desempenham papel importante.

    As esposas –quer sejam sírias, iraquianas ou estrangeiras– muitas vezes acompanham seus maridos quando eles se deslocam de um posto a outro. Os combatentes casados recebem soldos maiores e abonos de férias, dizem membros.

    Já houve casos de homens que se casam com várias mulheres, além de relatos sobre estupros, casamentos forçados e mulheres vendidas como escravas. Em um artigo na "Foreign Policy", citando informações da ONU e da Anistia Internacional, Aki Peritz e Tara Maller escreveram que jihadistas homens estão "cometendo violência sexual pavorosa em escala aparentemente enorme".

    A família de uma garota francesa na Síria, Nora el-Bathy, 15 anos, disse que ela está desesperada para voltar para casa. Seu irmão, Fouad, disse que Nora pensava que iria trabalhar em um hospital, mas que em vez disso estava sendo babá dos filhos de jihadistas.

    A família, que vive em Avignon, no sul da França, não fazia ideia de que Nora tinha sido radicalizada ou que ela saía de casa vestida como de costume e então trocava de roupa a caminho da escola, trajando as vestes que a cobriam por inteiro.

    "Não fazíamos a menor ideia", disse Fouad, que desde então viu fotos de sua irmã de trajes longos e véu, feitas por amigas dela. "Não sabíamos que ela estava levando uma vida dupla."

    Tradução de CLARA ALLAIN

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024