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    Recusa em admitir surto prejudica luta contra ebola em Serra Leoa

    ADAM NOSSITER
    DO "NEW YORK TIMES", EM SERRA LEOA

    25/10/2014 03h41

    Primeiro, o chefe disse que não havia pessoa alguma doente em sua comunidade. Depois, afirmou que, se alguém estivesse doente, era por bruxaria. Por fim, reconheceu que trabalhadores do setor de saúde estavam recolhendo diversos pacientes suspeitos de ebola a cada dia.

    Na verdade, 15 cadáveres haviam sido retirados da comunidade em menos de uma semana, mas o chefe não admitiu o fato.

    A negação persistente vem prejudicando a luta contra o vírus em Serra Leoa. Ela se estende das aldeias aos legislativos estaduais, e ecoa nos círculos de algumas das agências internacionais, agora presentes em grande número no país e nas demais nações atingidas pelo ebola na África ocidental.

    A tendência a minimizar os danos da doença era perceptível desde que o surto foi identificado, em março. Mas o efeito da negação é prolongar o sofrimento.

    Na semana passada, as autoridades internacionais de saúde decidiram uma mudança importante de estratégia. Reconhecendo que o vírus se espalhou a ponto de tornar inviável conduzir todos os pacientes a centros de tratamento, concordaram em pelo menos distribuir analgésicos, luvas de proteção e fluido de reidratação a pacientes que estão enfrentando a doença em suas casas.

    A distância entre as necessidades dos doentes e a resposta das autoridades fica evidente. Os trabalhadores funerários usam furgões precários para recolher cadáveres, e alguns desses veículos não conseguem enfrentar as íngremes colinas do país.

    No entanto, o estacionamento de uma das mais importantes agências da ONU em Freetown, capital da Serra Leoa, estava lotado na semana passada de veículos novos, com tração nas quatro rodas –ao menos 30 deles.

    As vítimas do ebola morrem em condições terríveis, sem comida, água ou medicamentos adequados, em barracos ou casas de barro.

    Do lado de fora de uma casa em Waterloo, um menino de 11 anos, já infectado, usava um balde para dar banho em seu irmão de dois anos, também doente, em um esforço para reduzir sua febre descontrolada. Enquanto isso, no único hotel cinco estrelas do país, autoridades da União Africana, todos em belos ternos, realizam importantes reuniões para discutir a resposta ao ebola.

    As botas de borracha necessárias para o pessoal que trabalhará na área de infecção não estão disponíveis, mas há seguranças armados de sobra.

    Os trabalhadores dos serviços funerários, que têm de lidar com cadáveres altamente infecciosos mas não vêm recebendo seu salário semanal de US$ 100 do governo, ameaçaram entrar em greve na semana passada.

    Uma assessora do funcionário da saúde responsável pelo setor afirmou não entender "por que eles estão tão impacientes".

    O atraso nos salários é difícil de compreender para muitos deles, dada a assistência que flui ao país.

    Um funcionário do governo disse que Serra Leoa já havia recebido mais de US$ 40 milhões em doações para combater o ebola.

    Um dos exemplos mais nítidos de desconexão da realidade em Serra Leoa está nas estatísticas de mortes reportadas pelo governo. No entanto, a Organização Mundial da Saúde (OMS) continua a confiar nos dados do governo.

    Sylvia Olayinka Blyden, que deixou o posto importante que detinha no governo de Serra Leoa duas semanas atrás, foi mais direta em um recente post, definindo as estatísticas do Ministério da Saúde como "desonestas, enganosas" e "vergonhosas".

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