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    'Empresários' da maconha discordam de pontos da lei para a droga no Uruguai

    SYLVIA COLOMBO
    ENVIADA ESPECIAL A MONTEVIDÉU

    25/10/2014 03h45

    Voltando do trabalho, fone nos ouvidos, a moça entra na loja Urugrow, no centro de Montevidéu, e pergunta no balcão: "Tenho um vaso pequeno, a planta está crescendo, preciso de mais terra e aquele fertilizante que você me vendeu da outra vez."

    O vendedor, sócio do local, para de manejar o punhado de maconha com o qual preparava um cigarro enquanto conversava com a Folha.

    Miguel Rojo/AFP
    Juan Manuel Varela, dono da Urugrow, monta cigarro de maconha em sua loja, em Montevidéu
    Juan Manuel Varela, dono da Urugrow, monta cigarro de maconha em sua loja, em Montevidéu

    "Aqui está. Se não servir, liga." Desenvolta, a moça sai do local, cumprimentando um grupo de jovens que fumavam na calçada.

    Há dois anos, Juan Andrés Palese, 25, e seu sócio, Juan Manuel Varela, 28, levaram a Urugrow do espaço pequeno que ocupava no centro de Montevidéu para uma loja mais ampla perto dali, numa área mais calma.

    A loja vende terra especialmente tratada para o cultivo de maconha, fertilizantes, manuais que instruem sobre o cultivo da planta e a produção de derivados, como o azeite curativo, muito procurado por idosos.

    Atende também estrangeiros, que começam a surgir, querendo cultivar no país.

    Esses produtos são vendidos legalmente, mas, desde a aprovação da lei da maconha, em 2013, a procura aumentou, e mais lojas como a Urugrow surgiram no país.

    "Eu recebo umas 30 pessoas ao dia. A maioria são clientes que sabem qual é o meu negócio, querem cultivar em casa e precisam de orientação", diz Palese.

    Ele acrescenta que todos os dias também aparece gente querendo comprar a droga ou sementes. "Mas isso não podemos vender", diz.

    A legislação, impulsionada pelo presidente José "Pepe" Mujica e aprovada pelo Congresso, prevê que o Estado será responsável pela produção, distribuição e venda da droga.

    Se o indivíduo se interessar, deve registrar-se e poderá comprar um número limitado de cigarros na farmácia.

    Será permitido, ainda, inscrever-se para obter licença de cultivar a planta em casa, também com limitação (no máximo seis plantas).

    Essa parte da lei ainda não está regulamentada e gera polêmica entre comerciantes, usuários e políticos.

    Palese diz que nunca irá se inscrever para comprar maconha na farmácia e não deseja que o governo controle quantos pés da planta tem em sua casa.

    "Para que essa exposição? E hoje tenho mais que seis plantas, se quiser. Não quero controle.", afirma.

    Para ele, a lei não "libera" a maconha, mas a regulamenta, o que, ele diz, "é bem distante do que seria ideal."

    "Estaríamos bem se plantar e consumir maconha fosse como plantar e consumir tomates, completamente livre e sem controle ou estigma", acrescenta.

    Usuário crônico e empresário do ramo, Palese diz que a lei, como está, não o beneficia. "Falta muito".

    Ele acredita que será alto o número de pessoas que não vão querer se registrar, por conta do medo de a lista servir para outros fins.

    "Muitos ainda carregam o temor da época da ditadura. Eles pensam que, se entrar um governo mais conservador, essa lista poderia ser usada para mandar todos em cana. Ou que ela poderá ser consultada por empresas que poderiam te contratar, universidades nas quais você se inscreve."

    Não longe dali, na galeria El Virrey, está a Yuyo Brothers, loja de acessórios para quem fuma: cinzeiros, papel de seda.

    Os irmãos Tubino, donos do local e de uma sucursal no balneário de La Pedrera, dizem que o negócio cresceu.

    "As pessoas se sentem mais livres para vir aqui comprar, perguntar, desde que a lei foi aprovada", conta Juan Pablo Tubino, 35.

    O comerciante diz, porém, que há um impasse no que ele crê ser o ponto mais importante. "Quem continua vendendo a droga é o pessoal do narcotráfico. E a única maneira de consegui-la ainda é via dealer'", explica.

    Palese e Tubino estão otimistas em relação ao futuro da lei, apesar de os candidatos na eleição de amanhã terem assumido uma tendência de restringir alguns pontos polêmicos, como o que estabelece que o Estado seja o responsável pela venda da droga.

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