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    Venezuela fecha cerco a grupos armados que serviram ao governo chavista

    SAMY ADGHIRNI
    DE CARACAS

    09/11/2014 02h00

    No primeiro semestre deste ano, diante dos protestos da classe média que estremeciam a Venezuela, o presidente Nicolás Maduro pediu ajuda a aliados polêmicos: os grupos sociais e paramilitares conhecidos como "coletivos".

    "Vela que se acende, vela que apagamos", martelava Maduro, insuflando a invasão dos bairros nobres de Caracas pelos "coletivos".

    Desde então, azedou a relação entre o governo e essas organizações, nascidas com o propósito de atuação comunitária, mas que o Estado armou ao ponto de hoje ameaçarem a segurança nacional.

    No mês passado, José Odreman, um dos principais líderes dos "coletivos", foi morto pela polícia com 32 tiros. A ação também matou quatro outros membros do grupo.

    A polícia alegou que os cinco alvejados eram delinquentes e assassinos. Mas Odreman, que chefiava o "coletivo" 5 de Março, acabou tendo enterro custeado pelo Estado, num reflexo de sua relação dúbia com autoridades.

    Familiares negam que Odreman fosse criminoso e dizem que ele se dedicava a promover atividades sociais e a proteger a população de criminosos.

    Carlos Garcia Rawlins - 9.mai.2014/ Reuters
    Coletivo Tupamaro faz manifestação em apoio a Maduro em maio
    Coletivo Tupamaro faz manifestação em apoio ao governo de Nicolás Maduro em maio

    Foram divulgadas na internet fotos dele ao lado de ministros e de Maduro, num lembrete do trânsito que tinha na cúpula do governo.

    Jurando vingança, o 5 de Março e outros "coletivos" exigiram a demissão do ministro do Interior, Justiça e Paz, Miguel Rodríguez Torres.

    Na véspera de um protesto dos "coletivos" potencialmente explosivo, Maduro demitiu Rodríguez Torres, há três semanas.

    Mas os grupos agora querem que o ex-ministro seja preso e cobram também a renúncia do todo poderoso chefe do Legislativo, Diosdado Cabello, inimigo declarado.

    "Estamos cansados de sermos bobos úteis do governo", diz Igor Luengo, membro do "coletivo" Juan Montoya.

    Alan Perez (nome fictício), integrante do 5 de Março, tem o mesmo sentimento.

    "Quando precisou, o governo nos chamou para lidar com os manifestantes, já que a polícia não dava conta. Agora, somos apresentados como bandidos", esbraveja Perez. "Da próxima vez, não só não atacaremos manifestantes como nos uniremos a eles."

    PERSEGUIÇÃO

    Alguns "coletivos" dizem que a campanha de perseguição contra eles começou em 2013, após a morte do presidente Hugo Chávez, fundador do regime socialista e ícone dos controversos grupos, a quem chamava de "braço armado da revolução bolivariana".

    Líderes dizem que estão pagando o preço por se oporem à corrupção da polícia, que teria começado a explodir no pós-Chávez.

    "Muitas vezes, interceptamos narcotraficantes nas nossas comunidades e os entregamos às autoridades, mas a polícia os solta porque recebe dinheiro deles", diz um dos chefes do 5 de Março.

    Luengo acusa Maduro de incompetência. "As pessoas estão muito descontentes com as filas para conseguir produtos básicos e com a falta de remédios e alimentos. Isso não acontecia com Chávez."

    Segundo membros dos grupos armados, a suposta perseguição contra eles se reflete não só nas mortes de Odreman e aliados, mas também na de Juan Montoya, que deu nome ao "coletivo" homônimo.

    Um dos mais famosos líderes de "coletivo", Montoya morreu no meio da rua, em circunstâncias obscuras, durante protestos antigoverno em Caracas, em fevereiro.

    Seu irmão, o ex-policial Jhonny Montoya, acredita que setores do governo podem ter tramado a morte de Juan. "Sabe a história da 'vela que se acende, vela que se apaga?' Ela não se aplica somente às manifestações opositoras."

    Juan Montoya era visto como um dos líderes comunitários mais rebeldes.

    CONTROLE DE ARMAS

    Os "coletivos" enxergam a recente Lei do Desarmamento, que visa a regulamentar o porte de armas no país, como outro sinal da guerra travada contra eles.

    Alguns, porém, rejeitam a confrontação e juram lealdade a Nicolás Maduro.

    "Entregamos as armas e somos responsáveis, como têm de ser os verdadeiros 'coletivos'", diz Antonio Rodriguez, do Defesa Social Integrada, que oferece cursos de manicure, alfaiate e barbeiro em Catia, oeste de Caracas.

    Luengo critica os integrantes desses grupos que não contestam Maduro. "São reféns da chantagem e do dinheiro do governo", diz.

    O presidente evita se pronunciar sobre o problema, mas analistas acreditam que está clara a sua intenção de controlar alguns "coletivos", cujo papel vem mudando profundamente.

    ORIGENS

    Os grupos surgiram nos anos 1960 como movimentos sociais nas favelas de Caracas e adquiriram protagonismo com a chegada ao poder de Chávez, em 1999. Eles, porém, só passaram a ser armados pelo governo após a fracassada tentativa de golpe militar pela oposição, em 2002.

    "A opção de armá-los era legítima, já que Chávez percebeu que não podia confiar no Exército nem na polícia", diz o analista Heiber Barretos.

    Os "coletivos", então, passaram a fazer trabalho sujo para o governo, como intimidar eleitores em dias de votação e atacar jornalistas opositores.

    Os próprios "coletivos" admitem que alguns membros abusam de sua posição para cometer roubos e sequestros.

    "São civis que andam com armas de guerra sem ser incomodados, num sinal da disfunção dos órgãos de segurança do Estado", diz Rocío San Miguel, da ONG Controle Cidadão para Segurança, Defesa e Força Armada. "Os 'coletivos' mostram a radicalização do processo revolucionário."

    Segundo o analista Nicmer Evans, o maior risco é que esses grupos sejam manipulados por facções que disputam poder na órbita chavista. "Os 'coletivos' respondem a interesses desses grupos, mas talvez nem percebam isso."

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