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    Aproximação de Rússia e China é desafio para os Estados Unidos

    PETER BAKER
    DO "NEW YORK TIMES", EM WASHINGTON

    10/11/2014 12h19

    O presidente Barack Obama chegou a Pequim a fim de renovar os esforços dos Estados Unidos para transferir à Ásia o foco de sua política externa. Mas terá de encarar o homem que tanto fez para frustrá-lo recentemente, o presidente russo Vladimir Putin.

    "Vocês estão promovendo uma virada para a Ásia", disse o embaixador russo em Washington na semana passada. "Mas nós já estamos lá".

    Obama está voltando à Ásia em um momento de aproximação entre Rússia e China que representa sério desafio aos Estados Unidos e Europa.

    Distanciado do Ocidente por conta da Ucrânia, Putin também visitará Pequim esta semana, em busca de apoio político e econômico, em uma tentativa de alterar a ordem internacional por meio de uma coalizão para resistir ao que os dois países encaram como arrogância norte-americana.

    Determinar se isso é só aparência ou é realidade causou debate vigoroso em Washington, onde alguns funcionários do governo e especialistas em relações internacionais descartam a perspectiva de uma aliança mais significativa entre Rússia e China por conta das diferenças fundamentais entre os dois países.

    Mas outros consideram que o governo Obama deva encarar a ameaça seriamente, já que Moscou está buscando acordos militares e de energia, e financiamento, junto a Pequim.

    "Estamos mais e mais interessados na região vizinha a nós na Ásia", disse Sergei Kislyak, o embaixador russo aos Estados Unidos. "Eles são bons parceiros para nós".

    O embaixador acrescentou que um recente acordo sobre gás natural entre Moscou e Pequim prenunciava o futuro. "É só o começo", ele disse, "e você verá mais e mais projetos entre nós e a China".

    A virada russa na direção da China está sendo considerada como parte de uma revisão em curso em Washington sobre a política dos Estados Unidos para com Moscou.

    A revisão produziu diversas propostas políticas para combater o que funcionários descrevem como "putinismo", em longo prazo, mas ao mesmo tempo buscar áreas de cooperação, especialmente sobre questões como o Irã, o terrorismo e a não proliferação nuclear.

    Ainda que não exista grande divergência de opiniões no governo Obama sobre como encarar Putin, há debate sobre o que fazer. A revisão opõe funcionários mais favoráveis ao engajamento àqueles que preferem medidas de contenção, de acordo com participantes.

    A principal questão é como a disputa na Ucrânia definirá o relacionamento e afetará outras áreas de interesse compartilhado entre os dois países. Dentro do governo Obama, os esforços de Putin para um acordo com a China são vistos como maneira de espicaçar Washington, mas sofrem por conta de uma História complicada, desconfiança mútua e de uma disparidade econômica subjacente que em última análise tornaria essa parceria insustentável.

    "Eles usarão um ao outro", disse um funcionário do governo que pediu que seu nome não fosse mencionado ao comentar sobre a revisão interna."E quando um deles se cansar ou perceber oportunidade melhor, a aproveitará".

    Mas outros analistas alertaram contra subestimar o potencial dessa aproximação.

    "Existem muitas indicações de que o relacionamento está se fortalecendo", disse Gilbert Rozman, acadêmico da Universidade de Princeton que publicou o livro "The Sino-Russian Challenge to the World Order" este ano e um artigo na revista "Foreign Affairs" sobre o assunto no mês passado.

    A reaproximação começou antes da crise da Ucrânia, ele acrescentou, mas agora existe uma "sensação de que não há retorno. Eles estão avançando na direção da China".

    Graham Allison, diretor do Belfer Center for Science and International Affairs, na Universidade Harvard, disse que Putin parecia ter formado fortes vínculos com o presidente chinês Xi Jinping.

    "Existe uma química pessoal visível", ele disse. "Eles gostam um do outro e conseguem se relacionar. Conversam com uma franqueza e um nível de cooperação que não encontram em outros parceiros".

    Masha Lipman, pesquisadora visitante no Conselho Europeu de Relações Internacionais, disse que a virada para a China "é encarada com muita seriedade" em Moscou e que "comentaristas a encaram como definitiva, como algo irreversível".

    Mas há rumores sobre um alinhamento entre Rússia e China há décadas, e ele nunca foi realizado plenamente, dadas as profundas diferenças culturais e a competição que existia na guerra fria entre os dois países pela liderança do mundo comunista. E Pequim há muito se opõe a movimentos separatistas, o que causa desconfortos por conta do apoio de Moscou aos rebeldes pré-russos do leste da Ucrânia.

    Em Moscou, há quem tema que a Rússia, por fraqueza, se torne um parceiro menor para a China em ascensão. Embora a China seja hoje o maior parceiro comercial russo, a Rússia ocupa apenas o 10º posto na lista dos parceiros comerciais chineses, ainda liderada pelos Estados Unidos.

    Além disso, as grandes estatais russas podem fechar negócios com os chineses, mas a China não substituirá a Europa para a maioria das empresas e bancos, porque não existe mercado desenvolvido de títulos comerciais, a exemplo do Eurobonds, disponível para estrangeiros na China.

    John Beyrle, antigo embaixador norte-americano em Moscou, disse que discussões com líderes empresariais russos revelavam nervosismo, e uma sensação de que a virada na direção da China acontecia por necessidade, já que os empréstimos e investimentos do Ocidente estão começando a secar.

    "Um deles disse que depender da China preocupa a elite russa muito mais do que depender do Ocidente", afirmou Beyrle.

    Lilia Shevtsova, analista da Brookings Institution em Moscou, disse que "a virada é artificial. E representa uma desvantagem para a Rússia".

    Obama e Putin vão se cruzar duas vezes esta semana, primeiro em Pequim durante o fórum de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico e depois em Brisbane, Austrália, em uma reunião do Grupo dos 20 (G20).

    Obama espera levar adiante a proposta da Parceria Trans-Pacífico, um acordo comercial. Rússia e China estão agudamente cientes de que foram excluídas do bloco comercial proposto, e Putin diz que ele seria pouco efetivo sem sua presença.

    Questões como essas só alimentam a aproximação entre Rússia e China, disseram funcionários norte-americanos. Se os Estados Unidos e a Europa se provarem menos confiáveis como parceiros de longo prazo, então a China parece atraente.

    "Confiamos neles", diz Kislyak, "e esperamos que a China igualmente confie em nós".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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