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    Há 80 anos, homem era indiciado pelo 'crime do século' nos EUA

    ANÉLIO BARRETO
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    22/11/2014 02h00

    Em outubro de 1934, há 80 anos, o autor daquele que muitos norte-americanos viriam a chamar de "o crime do século 20" -o sequestro do bebê Charles Lindbergh Jr.- era indiciado e iniciava sua caminhada para a cadeira elétrica.

    O bebê tinha um pequeno resfriado naquele 1º de março de 1932 e foi colocado no berço pela enfermeira da família, Betty Gow, às 20h, depois que ela e a mãe dele, Anne, passaram um creme em seu peito.

    BIPS/Getty Images
    Charles Augustus Lindbergh Jr., filho do aviador norte-americano, em seu primeiro aniversário; poucos meses depois, ele foi sequestrado e morto
    Charles Augustus Lindbergh Jr., filho do aviador norte-americano, em seu primeiro aniversário; poucos meses depois, ele foi sequestrado e morto

    A família estava passando dias em sua casa de Hopewell, Nova Jersey. Lindbergh Jr. era filho do famoso Charles Lindbergh, o primeiro a atravessar o Atlântico em um voo solo, dos EUA à França. Passou a ser considerado um grande herói.

    Às 22h a enfermeira voltou ao quarto de Lindbergh Jr. e viu que ele não estava no berço. Foi perguntar à sra. Lindbergh, que havia acabado de sair do banho.

    Dirigiu-se então ao sr. Lindbergh, que estava na biblioteca. Ele foi imediatamente ao quarto do filho. Notou um envelope branco no parapeito da janela. Mais tarde, ele contaria:

    "Subi para o quarto do bebê, abri a porta e imediatamente notei uma janela aberta. Um estranho envelope estava no parapeito. Olhei no berço e ele estava vazio. Corri para baixo, peguei meu rifle e saí para a noite".

    Meia hora depois da descoberta do sequestro, as rádios o estavam relatando à nação. Os jornais do dia seguinte deram à notícia o devido destaque, e telefonemas para a polícia de Hopewell anunciavam que o bebê fora visto na Califórnia, em Michigan, no México... Tudo notícias falsas.

    Pouco mais tarde, fora da casa, nenhum indício pôde ser considerado. Pegadas e impressões digitais estavam todas contaminadas pelas dezenas de repórteres e policiais que para lá convergiram.

    Mais tarde chegou um expert em impressões digitais para ler o bilhete deixado pelos sequestradores. Era curto e recheado de erros:

    "Caro Senhor! Tenha 50.000$ (dólares) prontos, 25.000$ em notas de 20$, 15.000$ em notas de 10$ e 10.000$ em notas de 5$. Depois de 2-4 dias nós vamos informar onde entregar o dinheiro. Nós avisamos para não fazer nada público ou para avisar a polícia. A criança está em bom cuidado."

    Lindbergh mobilizou muitos amigos e várias figuras do submundo de Nova Jersey para entrar em contato com os sequestradores.

    Prisioneiros ilustres, como Al Capone, ofereceram ajuda em troca da liberdade, mas não foram atendidos. Na manhã seguinte ao sequestro, o presidente Herbert Hoover, apesar de aquele não ser então considerado um crime federal, colocou a Agência de Investigação (que logo após se tornaria o FBI), a Guarda Costeira, o Serviço Alfandegário, o Serviço de Imigração e a polícia de Washington à disposição das investigações.

    Os oficiais de Nova Jersey anunciaram uma recompensa de US$ 25.000 para o retorno seguro do pequeno Lindy. A família Lindbergh ofereceu um acréscimo de US$ 50.000.

    Uma segunda nota dos sequestradores chegou no dia 6 de março, postada no Brooklyn, dizendo que não aceitavam o intermediário proposto por Lindbergh. Uma terceira foi recebida no dia 8, dizendo que, já que a polícia estava no caso, o resgate havia subido para US$ 70.000.

    A essa altura o diretor do FBI, J. Edgard Hoover, colocou o coronel H. Norman Schwarzkopf, superintendente da polícia estadual de Nova Jersey, representando sua agência nas investigações.

    O INTERMEDIÁRIO

    John F. Condon era um professor aposentado e vivia no Bronx, onde era muito conhecido. Era chamado de Jafsie, baseado na pronúncia de suas iniciais. Escreveu uma carta para o Bronx Home News oferecendo US$ 1.000 se os sequestradores entregassem a criança a um padre católico. Recebeu como resposta uma carta dizendo que o aceitavam como intermediário entre eles e Lindbergh. Lindbergh aceitou.

    De acordo com novas instruções, Condon colocou um anúncio no jornal: "O dinheiro está pronto". Recebeu então um telefonema marcando um encontro em um cemitério, o Woodlawn Cemetery.

    Condon disse que o homem tinha pronúncia estrangeira, que permanecera na sombra durante a conversa e que, portanto, não pudera ver seu rosto.

    Disse que seu nome era John, que era um marinheiro escandinavo e parte de um grupo de três homens e duas mulheres. Declarou ainda que o bebê estava bem e mantido em um barco, mas que não podiam devolvê-lo sem o pagamento do resgate.

    Quando Condon disse ter dúvidas de que John realmente tivesse o bebê, ele disse que daria prova, entregando a roupa de dormir da criança. A roupinha foi entregue e reconhecida.

    Depois de várias trocas de mensagens, um motorista de táxi levou um dos sequestradores para Condon. Dava instruções para a entrega do dinheiro e, no cemitério, John recebeu os US$ 50.000, deu a Condon um recibo e instruções para encontrar Lindbergh Jr. em um barco, mas as buscas foram infrutíferas.

    O BEBÊ

    No dia 12 de maio, William Allen, o motorista de um caminhão de entregas, encostou na estrada a pouco mais de 7 km ao sul da casa de Charles Lindbergh. Foi a um grupo de árvores para aliviar a bexiga e lá encontrou o corpo de uma criança.

    Allen avisou a polícia, que levou o corpo para um necrotério em Trenton. Ele estava muito decomposto e parecia ter sido mordido por vários animais. O crânio tinha uma grave fratura. Lindbergh e a enfermeira logo identificaram Lindy, e o pai quis que ele fosse cremado.

    O Congresso dos EUA então acelerou decisões que tornaram o sequestro crime federal. A partir daí o FBI pôde agir com maior abrangência.

    Em 23 de maio informou aos bancos em Nova York que estava coordenando todas as atividades governamentais no caso e pediu especial atenção ao dinheiro pago como resgate. A maior parte desse dinheiro, US$ 40.000, estava em certificados de ouro.

    Por dois anos e meio o agente da polícia de Nova York James J. Finn e seu colega do FBI Thomas Sisk trabalharam no caso rastreando o dinheiro do resgate.

    As notas provinham principalmente da rota do metrô da avenida Lexington, que ligava o leste do Bronx ao leste de Manhattan, incluindo a vizinhança germano-austríaca de Yorkville.

    Em 18 de setembro de 1934, o gerente-assistente do Corn Exchange Bank and Trust Company telefonou para avisar que um certificado de ouro no valor de US$ 10 havia sido descoberto minutos antes por um dos caixas.

    A nota havia sido recebida de um posto de gasolina localizado na rua 127 com a avenida Lexington, no dia 15 de setembro. Foi dada em pagamento de cinco galões de gasolina por um homem que havia passado outras notas do resgate em semanas recentes.

    O atendente suspeitou do certificado, achou que poderia ser falso e anotou na margem dele o número da placa do carro -que levou a Bruno Richard Hauptmann, no 1279 leste, Rua 222, Bronx, NY.

    Informações em poder da polícia registravam que Hauptmann era um imigrante alemão com ficha em seu país: foi preso por roubo e outras infrações.

    A polícia passou imediatamente a vigiar o apartamento dele. Na manhã seguinte, quando ele saiu em seu carro, eles o seguiram.

    Hauptmann percebeu, acelerou e passou a não respeitar sinais vermelhos. Um caminhão apareceu em sua frente e ele teve que parar. Foi preso e algemado.

    Um certificado de ouro no valor de US$ 20, parte do resgate, foi encontrado com ele. Sua descrição se encaixava perfeitamente na que o dr. Condon fizera de John.

    Na noite de 19 de setembro, ele foi positivamente identificado por Joseph Perrone, o motorista de táxi, como o indivíduo do qual recebeu uma nota que deveria ser entregue ao dr. Condon. No dia seguinte, mais de US$ 13.000 em certificados foram encontrados na garagem da residência de Hauptmann.

    Ele foi indiciado em outubro de 1934. O "julgamento do século" aconteceu na cidade de Flemington, Nova Jersey. Considerado culpado, foi eletrocutado em 3 de abril de 1936.

    Livros e artigos foram escritos depois defendendo sua inocência (o mesmo aconteceu com livros e artigos demonstrando sua culpa).

    A mulher dele, Anna Hauptmann, passou o resto da vida -ela morreu aos 95 anos- tentando provar que o marido era inocente. Não foi ouvida.

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