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    Detido, ex-premiê de Portugal diz que acusações têm 'contornos políticos'

    PAULO PENA
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA EM LISBOA

    27/11/2014 02h00

    Há pouco mais de um ano, no dia 23 de outubro de 2013, José Sócrates, ex-premiê português, ouvia um apelo do ex-presidente Lula: "Tem que voltar a politicar. É muito cedo para deixar a política".

    O verbo "politicar" não estava então, de todo, afastado do vocabulário de Sócrates.

    Em junho de 2011, ele perdera as eleições e se retirara para Paris. Na capital francesa, frequentou a renomada universidade de estudos políticos "Sciences Po" e escreveu "A Confiança no Mundo", sobre o uso da tortura nos regimes democráticos.

    Lula foi quem apresentou a obra em Lisboa.

    Nesta quarta-feira (26), cinco dias após ter sido detido pela polícia no aeroporto de Lisboa, quando regressava de Paris, Sócrates continuava interessado em estudar, como revelou sua ex-mulher.

    Ele pediu a ela que em sua próxima visita lhe levasse livros de filosofia.

    Da prisão de Évora, ele também comunicou a seu advogado, João Araújo, que, "em legítima defesa", considerasse "absurdas, injustas e infundamentadas" as suspeitas.

    No texto de apenas oito parágrafos, diz que "este caso tem também contornos políticos".

    SUSPEITAS

    Secretário-geral do Partido Socialista português de setembro de 2004 a julho de 2011 e primeiro-ministro de 12 de março de 2005 a 21 de junho de 2011, Sócrates está detido desde a sexta-feira passada (21).

    Seu advogado afirma que não sabe exatamente de que seu cliente é acusado.

    Em um breve comunicado publicado após a detenção do ex-premiê, a Procuradoria-Geral portuguesa avançou que as investigações são feitas sobre suspeitas de três crimes: fraude fiscal, lavagem de capitais e corrupção.

    Na noite de segunda (24), terminado o interrogatório, o juiz especial Carlos Alexandre, o principal magistrado anticorrupção de Portugal, confirmou as suspeitas e determinou que o ex-primeiro-ministro aguardasse o julgamento em prisão preventiva.

    Essa é uma medida inédita, em Portugal. E ela foi tomada em um processo incomum no país. Desde o marquês do Pombal, no final do século 18, nenhum ex-premiê havia sido acusado de corrupção no país.
    marquês

    Talvez por isso a atual investigação tenha o nome de Operação Marquês.

    Há também uma outra explicação: a casa que Sócrates comprou quando ainda "politicava" fica no bairro lisboeta do Marquês.

    Do pouco que se sabe sobre o processo, que está correndo em "segredo de Justiça", é que é o seu patrimônio que intriga a Justiça.

    Sócrates é suspeito de ter enriquecido indevidamente nos seus mais de 20 anos de vida política.

    Vários jornais portugueses adiantam que o ex-político se apropriou indevidamente de verbas, as quais teria enviado para um banco na Suíça.

    Com esse dinheiro, teria comprado várias casas, em Lisboa e em Paris, numa complexa engrenagem para iludir as autoridades fiscais.

    Para isso, teria contado com a ajuda de um empresário, amigo seu de juventude, de seu motorista particular e de um advogado –este último o único que aguarda o julgamento fora da cadeia.

    Desde que foi detido, o ex-premiê não pôde rebater essas suspeitas.

    Sócrates sempre refutou as acusações de que teria fundos no exterior: "Isto é uma verdadeira canalhice", disse em julho, depois de a revista "Sábado" ter noticiado que ele estava sendo investigado.

    "Para ocultar capitais é preciso ter capitais. É completamente absurdo. Constroem uma notícia falsa com o objetivo de me difamar."

    Ele disse que estudou em Paris com um empréstimo bancário e que sua mãe é proprietária de muitas casas, que recebeu de herança.

    FARMACÊUTICA

    Em janeiro de 2013, Sócrates foi contratado pela multinacional suíça Octapharma para presidir o conselho consultivo do grupo farmacêutico para a América Latina.

    Foi nesse cargo que se reuniu, no mês seguinte, com o então ministro brasileiro da Saúde, Alexandre Padilha.

    A seu lado na reunião estava outro português, membro da direção do grupo, Paulo Lalanda de Castro, que aparece como suspeito na Operação Marquês.

    Castro também é citado na Operação Vampiro da Polícia Federal do Brasil, que investiga a venda de derivados de sangue ao ministério e na qual a empresa Octapharma aparece acusada de fraude.

    A Justiça federal brasileira já pediu que Castro seja ouvido em Portugal sobre esses negócios com o Ministério da Saúde.

    A sede da empresa em Lisboa foi alvo de busca e apreensão um dia antes da detenção do ex-premiê. Na terça (25), a firma cancelou o contrato com o ex-premiê.

    Segundo a imprensa portuguesa, Sócrates recebia € 12 mil mensais da multinacional. Era a sua única fonte conhecida de rendimentos.

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