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    Venezuela dá aulas sobre pensamento de Chávez para universitários

    ANDREW CAWTHORNE
    DA REUTERS, EM CARACAS

    28/11/2014 12h53

    Um general venezuelano uniformizado entra numa grande sala de aula do instituto militar de Caracas e anuncia: "Chávez vive!". Os alunos se levantam e respondem em uníssono: "A luta continua!".

    Depois se acomodam nas carteiras para uma aula de uma hora pontuada com referências ao líder socialista venezuelano Hugo Chávez, morto de câncer no ano passado.

    As Forças Armadas venezuelanas criaram uma nova disciplina acadêmica, "Estudo dos Pensamentos do Comandante Supremo Hugo Chávez", que já atraiu mais de 10 mil alunos.

    Para os críticos, é um endeusamento pessoal ao estilo norte-coreano, mas seu defensores dizem que o novo curso promove os valores e ideais humanistas fomentados por Chávez, que tanta falta fazem à Venezuela e ao materialista mundo maior.

    "Para nós, Chávez está trazendo o pensamento bolivariano para o século 21", diz o general Moisés Villaroel a sua classe de 50 alunos, aludindo ao reverenciado herói independentista sul-americano do século 19, Simon Bolívar.

    Militares da Argentina, do Brasil, Equador e Nicarágua estão entre os soldados, de maioria venezuelana, que compõem a plateia em um centro de estudos de defesa.

    O curso, que pode fazer parte de estudos de graduação ou pós-graduação, busca as raízes filosóficas do pensamento de Chávez em Bolívar e outros pensadores e heróis anticolonialistas venezuelanos, como Simon Rodriguez, Ezequiel Zamora, Francisco Miranda e Antonio Sucre.

    São analisados a infância rural pobre de Chávez, sua paixão pelo beisebol, sua carreira militar, a tentativa fracassada de golpe, a vitória eleitoral que o conduziu ao poder e sua Presidência (199-2013), que o levou a ser visto como herói pela população pobre da Venezuela, mas como ditador antidemocrático por seus adversários.

    Um estudante entusiasmado, o coronel Victor Flores, disse que gostou especialmente de ouvir histórias pessoais que não conhecia –sobre a avó de Chávez, Rosa Inés, e outro parente distante, um revolucionário conhecido como Maisanta.

    "Vemos o lado mais simples, mais humano do Comandante", ele disse.

    Os alunos do curso até agora têm vindo principalmente das fileiras militares e de órgãos governamentais, fazendo o curso como complemento de seus estudos principais, mas a base de alunos está crescendo.

    Os proponentes do curso rejeitam sugestões de que ainda seria cedo para submeter a escrutínio acadêmico um homem que só morreu no ano passado.

    "De jeito nenhum", disse Flores. "Nós o estudamos em vida, através de seus discursos e seu programa dominical 'Alô Presidente'. Este curso é apenas uma continuação."

    "PASTOR DO POVO"

    Chávez colocou a Venezuela no mapa-múndi por razões outras que apenas o petróleo e as ganhadoras de concursos de beleza, e sua imagem no exterior forma um dos últimos segmentos do curso: "Chávez, líder continental e global".

    Os alunos se debruçam sobre os discursos que Chávez fez em várias cúpulas, incluindo, mais famosamente, nas Nações Unidas, em 2006, onde ele se queixou do "cheiro de enxofre" em um pódio onde o "diabo" George W. Bush tinha estado no dia anterior.

    "Em todas as horas ele procurou seguir o exemplo de Cristo em suas ações. Chávez se tornou o pastor de seu povo", falou outro general, Nerio Galban, secretário da Universidade Militar Bolivariana da Venezuela, onde o curso nasceu.

    Numa sala de trabalho decorada com imagens de Bolívar e Chávez, Galban comparou a história bíblica sobre Jesus alimentando 5.000 pessoas aos programas de subsídio alimentar de Hugo Chávez.

    Comparou a cura de doentes por Jesus com a "Missão Milagre" criada em 2004 para fazer cirurgias gratuitas de catarata e outros tratamentos oftalmológicos.

    "Chávez vive através de nós", acrescentou Galban.

    Esse tipo de sentimento quase religioso é repudiado por um grande setor social que fez oposição a Chávez e se opõe a seu sucessor, o presidente Nicolás Maduro. Para os opositores, o governo autoritário e a economia socialista de Chávez levaram o país à falência.

    Estudantes oposicionistas ironizam o curso de "Estudos de Hugo Chávez", dizendo tratar-se de mais lavagem cerebral feita pelo governo e as forças de segurança, sem valor acadêmico ou prestígio profissional.

    Com sua assinatura e seu rosto distribuídos por prédios e camisetas em todo o país, Chávez já possui status cult entre seus seguidores, algo que é incentivado ativamente pelo governo de Maduro (que se descreve como "filho" de Chávez), para reforçar sua própria popularidade.

    Dignitários que visitam o país são levados ao mausoléu no alto de uma colina onde descansam os restos mortais de Chávez. Uma fonte tipográfica nove imortalizou a letra do ex-presidente, seus tuítes foram convertidos em livro, e há até um balé que conta a história de sua vida.

    Um estudo crítico mostrou que seu nome aparece uma vez a cada seis minutos na televisão estatal.

    Mas os responsáveis pelo curso acadêmico insistem que críticas são incentivadas na sala de aula, com o mesmo espírito de "retificação" que Chávez pregava.

    Desenvolvido no ano passado e ampliado este ano, o curso está sendo dado em várias universidades públicas e chega às ruas através de simpósios e eventos gratuitos. Seus proponentes esperam levá-lo também para universidades particulares, mas isso talvez seja difícil.

    "Ridículo!", opinou Lukas Moreno, 20 anos, estudante de engenharia na Universidade Católica de Caracas. "Deveriam dar o curso aqui: ninguém se matricularia. "

    Tradução de CLARA ALLAIN

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