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    Mortes abalam confiança de negros no governo americano

    GIULIANA VALLONE
    DE NOVA YORK

    07/12/2014 02h00

    Em uma igreja no Brooklyn, em Nova York, uma plateia emocionada de cerca de cem pessoas ouviu o reverendo Herbert Daughtry falar sobre a morte de Akai Gurley, 28, um jovem negro morto pela polícia no bairro no fim de novembro.

    "Eu espero que esta seja a última morte causada por aqueles que pagamos para nos proteger", disse.

    No curto discurso durante o velório de Gurley, ele usou diversas vezes as palavras "mudança" e "esperança". "Acho que, ao olharmos para trás, veremos que a morte de Akai mudou as coisas."

    O sentimento, no entanto, não é compartilhado pela maioria da comunidade negra de Nova York.

    Na noite chuvosa de sexta-feira (5), enquanto o caixão com o corpo de Gurley era levado para dentro da igreja batista Brown Memorial, uma voz entre os convidados parecia resumir a frustração de centenas: "Nós não aguentamos mais".

    "Eles estão cansados e querem ver ação. Ninguém mais está interessado em discursos", disse Jumaane Williams, vereador da cidade e membro da Força-Tarefa para Combater a Violência com Armas, da câmara municipal.

    Gurley morreu com um tiro no peito disparado por um policial enquanto descia as escadas de um conjunto habitacional no Brooklyn com a namorada. Segundo a polícia, a arma do oficial, que era novato e patrulhava o local, disparou acidentalmente.

    A morte, no dia 20 de novembro, aconteceu poucos dias antes de ser anunciada a decisão de um júri de Staten Island de não indiciar Daniel Pantaleo, um policial branco que matou por sufocamento Eric Garner, um homem negro, em julho.

    "É uma situação que vai demorar anos para ser consertada. Mas é preciso que o governo mostre, além de medidas que terão benefício futuro, outras que tenham efeito agora", disse Williams.

    MEDIDAS

    Quando o prefeito Bill de Blasio assumiu o cargo, em janeiro deste ano, prometeu melhorar a relação entre as comunidades negra e latina com a polícia de Nova York.

    Sua primeira medida foi reduzir a prática do "stop and frisk" (pare e reviste), considerada discriminatória por mirar desproporcionalmente as minorias. Blasio também suspendeu prisões por porte de pequena quantidade de maconha, substituindo-as por multas.

    Agora, o prefeito está antecipando a implementação de um projeto-piloto para o uso de câmeras nos uniformes policiais e anunciou que mais de metade da tropa da cidade passará por novo treinamento nos próximos meses.

    Com os casos de Garner e Gurley, no entanto, sua popularidade e as recentes medidas foram postas em xeque.

    "Está ficando pior, não está melhorando", disse Doan Jones, 48, uma voluntária que ajuda as famílias de vítimas da polícia.

    "Nós estamos lidando com policiais racistas, e isso não vai melhorar com nenhum treinamento. Sinceramente, não tenho nenhuma confiança de que alguma dessas medidas traga mudança."

    Para Keneth Montgomery, 42, a solução tem de vir de dentro da comunidade. "Temos de deixar de contar com os governantes, que não nos ajudam em nada, e criar nossas próprias estruturas, ter grupos de patrulha", disse.

    INDICIAMENTO

    Na sexta-feira, o procurador-geral do distrito do Brooklyn, Ken Thompson, anunciou que vai compor um "grand jury" para decidir sobre o indiciamento de Peter Liang, o policial que atirou em Akai Gurley.

    "É preciso que haja responsabilização nesses casos. Queremos garantir que os policiais sejam ao menos demitidos", afirmou o vereador Williams.

    "A comunidade e os políticos têm de se organizar para que haja uma investigação completa, promotores especiais para casos como esses e, o mais importante de tudo, indiciamentos", disse o pastor da igreja Clinton Miller.

    "Esperamos que tudo que está acontecendo faça as pessoas finalmente enxergarem que a polícia aplica outros padrões quando se trata da população negra", completou.

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