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    Iraque busca se reorganizar para combater milícia radical

    DIOGO BERCITO
    ENVIADO ESPECIAL A BAGDÁ

    07/12/2014 02h00

    Meses atrás, cercada por militantes e com rotas vitais interrompidas, Bagdá governava apenas a si mesma. A esfera de controle da capital iraquiana parecia, então, reduzida a algo semelhante a uma cidade-Estado, como as vistas na Mesopotâmia durante a Antiguidade.

    Mas ganhos militares recentes, somados a uma ampla reestruturação no governo, interromperam o cerco.

    Com o respiro na crise, o Iraque busca se reinventar e vencer os terroristas do Estado Islâmico.

    Editoria de Arte/Folhapress
    Editoria de Arte/Folhapress

    A atmosfera é de otimismo com a ascensão de um novo líder, Haider al-Abadi, aprovado em setembro pelo Parlamento para assumir o cargo de primeiro-ministro no país, substituindo o hoje malvisto Nuri al-Maliki.

    "O governo de Maliki danificou muito o Iraque", diz Barah Mikail, analista no centro de estudos europeu Fride. "As políticas sectárias contribuíram para ampliar o abismo entre sunitas e xiitas."

    Mas a sensação positiva que hoje contamina Bagdá já levou, no passado, a euforias logo desmentidas pela realidade –incluindo a escolha do próprio Maliki.

    "Abadi está realmente tentando se livrar do legado de Maliki, limpando as instituições iraquianas, o que traduz as suas boas intenções. Mas ele não parece ser o homem certo. Ele é fraco demais para lidar com os desafios do país, onde milícias e atores étnico-religiosos têm influência nos organismos oficiais", afirma Mikail.

    Abadi tem feito do combate à corrupção e do saneamento das contas as suas bandeiras. Na semana passada, ele anunciou a redução em 50% em seu salário e no dos membros do gabinete.

    O premiê também está combatendo os "astronautas" do Exército, como são conhecidos os soldados que não comparecem a seus postos mas continuam a receber o pagamento, dividido com seus superiores coniventes.

    Na semana passada, também anunciou um acordo para divisão da receita do petróleo com o governo autônomo do Curdistão.

    EXPECTATIVA

    A solução imediata à crise iraquiana está sendo implementada, porém, no terreno militar.

    "A situação da segurança está melhorando desde que conquistamos bases estratégicas", afirma à Folha Ali al-Timimi, governador da Província de Bagdá, cujo cinturão foi recentemente devolvido ao controle oficial.

    "Em um mês e meio, nós desmembramos dezenas de células terroristas, levando a uma calma recente. Essas vitórias geram confiança nas forças de segurança e desmoralizam o inimigo", diz.

    Há de fato, na capital, uma expectativa de dias mais tranquilos –ao contrário de Damasco, na Síria, onde ainda se ouvem a artilharia do regime e as explosões de morteiros de rebeldes.

    Mesmo a organização terrorista Estado Islâmico, que controla territórios no noroeste do Iraque e no leste da Síria, onde decapita inimigos, parece um assunto para o deboche público ali.

    A Folha encontrou, no tradicional mercado de livros da rua Al-Mutanabi, uma revista satírica reunindo caricaturas sobre a milícia. Na capa, o califa autodeclarado Abu Bakr al-Baghdadi, líder do EI, aparecia com o rosto no corpo de um cachorro, crítica gravíssima na cultura local.

    O café Shahbandar, há décadas recanto para intelectuais iraquianos, estava repleto de clientes –envoltos na fumaça do narguilé e com as mãos ocupadas com o chá, eles preferiam permanecer anônimos e não ter seus nomes publicados no jornal.

    Saad Khalidi, neto de Haj Zbala, que em 1900 fundou a famosa casa de sucos de mesmo nome, servia refrescos de uva em uma porta não longe dali. "Os dias estão melhores. Mais seguros do que há um mês. Não sabemos se esse governo será bom, mas já está melhor que o anterior", diz.

    Mas a sensação de segurança é constantemente relativizada, e "mais seguros do que antes" tem um significado específico em Bagdá.

    A reportagem teve a sua câmera de bolso retida na entrada do shopping Mansur, por exemplo, e teve de ser revistada antes de visitar uma pequena mesquita.

    "Antes tínhamos medo de uma pessoa", diz um engenheiro, que não divulga o nome, referindo-se ao regime violento de Saddam Hussein (1979-2003). "Hoje, temos medo de todo o mundo."

    Não desapareceu da capital iraquiana, afinal, o espectro dos carros-bomba, que ainda obriga construções em toda a cidade a se proteger com altas paredes de concreto. O tráfego é regulado por uma série de controles militares, com constante verificação de documentos e procura por explosivos em carros.

    Durante a passagem da Folha por Bagdá, no que parecia ser um dia tranquilo nas margens do rio Tigre, explosões se espalharam pela cidade, atingindo regiões xiitas e deixando ao menos 20 mortos. À tarde, helicópteros sobrevoavam os bairros centrais, afugentando com as hélices a ideia de segurança.

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