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    Crise sobre tortura expõe parceria de Obama e chefe da CIA

    PETER BAKER
    MARK MAZZETTI
    DO 'NEW YORK TIMES"
    DE WASHINGTON

    20/12/2014 02h00

    Horas antes de reagir ao relatório do Comitê de Inteligência do Senado que acusou a CIA (Agência Central de Inteligência) de cometer torturas, John O. Brennan, o diretor da agência, se reuniu com o presidente Obama.

    As mensagens transmitidas mais tarde nesse dia pela Casa Branca e Brennan foram sincronizadas: depois de seis anos de parceria, o presidente estava se posicionando ao lado do chefe de espionagem, ao mesmo tempo em que outros democratas pediam sua renúncia.

    Poucos presidentes até hoje tiveram um vínculo tão estreito com seus chefes de inteligência quanto o que Obama formou com Brennan. O relacionamento entre eles moldou a política e o rumo da discussão sobre a guerra do país contra o terrorismo, além do esforço da agência para encontrar um equilíbrio entre segurança e liberdade. O resultado é um presidente que denuncia a tortura, mas não as pessoas acusadas de praticá-la.

    "O dilema que Brennan enfrenta é semelhante ao de Obama", disse David Cole, estudioso da segurança nacional. "Os dois se opõem pessoalmente ao que aconteceu, ficam perturbados com isso e concordam que isso nunca deve acontecer novamente. Mas os dois dependem da CIA para serviços importantes de segurança nacional."

    Pete Souza/The White House
    Presidente Barack Obama conversa com John O. Brennan em 2012 na Casa Branca
    Presidente Barack Obama conversa com John O. Brennan em 2012 na Casa Branca

    Em sua reação ao relatório, Brennan percorreu uma linha tênue entre seu presidente e sua agência. Ele saudou a decisão tomada por Obama, depois de chegar ao poder, de proibir o uso de técnicas de interrogatório como o "waterboarding" (afogamento simulado) e a privação de sono. Porém, ele criticou apenas o "número limitado" de agentes da CIA que infringiram as regras do Departamento de Justiça relativas aos interrogatórios.

    Brennan rejeitou a alegação do comitê de que o programa de interrogatórios não foi fundamental para frustrar complôs terroristas e que a agência teria enganado o público quanto à sua eficácia, mas disse que é impossível saber se detentos deram informações importantes em decorrência de métodos brutais.

    Colegas disseram que Brennan tinha a responsabilidade de proteger sua agência. Mas esse é um papel muito diferente do que Brennan exerceu como assessor de contraterrorismo de Obama no seu primeiro mandato, quando ajudou a tentar fechar a prisão de Guantánamo e freou excessos. "Ele esteve de nosso lado em quase todas as discussões", comentou um ex-funcionário da Casa Branca, que, como outros, não quis ser identificado.

    Brennan, que tem 59 anos e fala árabe, passou boa parte de sua vida profissional como agente da CIA. Depois do 11 de Setembro, ele ajudou a criar o Centro de Integração da Ameaça Terrorista, mais tarde reorganizado como Centro Nacional de Contraterrorismo. Mas ele não foi alçado à direção do centro e, decepcionado com a administração do presidente George W. Bush, se afastou em 2005.

    Quando Obama chegou ao poder, Brennan foi sua escolha para dirigir a CIA, mas a ideia foi frustrada quando democratas protestaram devido à associação estreita que Brennan tinha tido com George J. Tenet quando este foi diretor da CIA.

    Brennan disse que durante o governo Bush ele se opôs ao uso do "waterboarding", mas não de todos os métodos brutais de interrogatório. No final, ele teve de contentar-se com um emprego na Casa Branca. Instalado num escritório ao lado de Denis R. McDonough, que se tornaria o chefe de gabinete da Casa Branca, Brennan exerceu um papel importante no comando da guerra contra grupos terroristas.

    Ele administrava as listas de alvos dos ataques com drones e podia ordenar ataques aéreos no Iêmen. Foi identificado com a escalada da guerra secreta dos EUA no Iêmen e com a operação que matou Osama bin Laden, mas também foi aliado dos que resistiam ao uso de políticas mais intransigentes no Afeganistão e na Líbia e defendeu a libertação de detentos mantidos injustamente em Guantánamo.

    Brennan fez com que fosse mais fácil para o presidente restringir as aventuras da CIA: ele podia questionar a agência como nenhum outro assessor de Obama podia. Mas também protegia os interesses da agência.

    Quando Leon Panetta, que se tornou o diretor da CIA, negociou um acordo com o Comitê de Inteligência do Senado para um inquérito sobre a tortura, Brennan explodiu. "Não demorou muito para a coisa ficar feia", Panetta recordou em seu livro de memórias. "Chegamos a trocar palavras ásperas."

    Desde que se tornou o diretor da CIA, em 2013, Brennan vem brigando com democratas do Comitê de Inteligência do Senado sobre o relatório sobre a tortura. Em uma reunião, ele deu socos na mesa. "A CIA não é uma organização perigosa ou que age descontroladamente", declarou.

    Agora, com a divulgação do relatório, Brennan assumiu o papel de defensor da agência, para o desagrado de alguns dos aliados do presidente.

    "Brennan pode estar demonstrando lealdade à agência, procurando se assegurar que ninguém de seu pessoal corra perigo com a Justiça", disse Elisa Massimino, presidente da organização Human Rights First. Mas "liderança seria se ele aproveitasse essa crise como uma oportunidade para deixar claro quais serão os padrões de atuação de agora em diante".

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