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    Tubérculo peruano provoca corrida do ouro

    WILLIAM NEUMAN
    DO "NEW YORK TIMES"
    EM JUNÍN, NO PERU

    20/12/2014 02h00

    Ladrões recentemente invadiram um armazém nesta cidade agrícola no topo dos Andes, golpearam o gerente na cabeça e fugiram com 1.200 kg de mercadoria para contrabando. Caminhões vêm cruzando sub-repticiamente a fronteira com cargas ilícitas destinadas à China. Com a alta do preço do produto, agricultores deixaram a pobreza e passaram a percorrer as estradas de terra em veículos novos e reluzentes.

    O que motiva essa onda de ostentação e furto não são drogas, pedras preciosas nem metais raros. É um tubérculo de cheiro forte, parecido com o nabo, que se chama maca peruana. Alardeado como um superalimento que ajuda no combate ao câncer, ele é vendido nas prateleiras de empórios naturais dos Estados Unidos, da Europa e da Ásia.

    Por causa de supostos efeitos afrodisíacos, a maca é tão popular na China que neste ano compradores chineses apareceram por aqui com malas cheias de dinheiro para comprar a safra inteira, motivando uma corrida do ouro e provocando preocupação em Lima.

    Com o sucesso da maca no exterior, alguns peruanos temem que o país perca o controle sobre um cultivo valioso, cuja história remonta a bem antes do Império Inca.

    Autoridades dizem que muitos compradores chineses contrabandearam o tubérculo para fora do país, violando uma lei que exige o processamento da maca no Peru antes da sua exportação -medida destinada a proteger as empresas locais. Eles alegam que sementes também foram exportadas ilegalmente, apesar da proibição em vigor, que existe para impedir que a planta seja cultivada em qualquer outro país.

    Meridith Kohut/The New York Times
    Trabalhadores colhem maca peruana; tubérculo provocou corrida do ouro
    Trabalhadores colhem maca peruana; tubérculo provocou corrida do ouro

    "Milhares de hectares estão sendo cultivados fora do Peru sem autorização", disse Andrés Valladolid, presidente da comissão nacional de combate à biopirataria.

    O produtor e processador de maca Oswaldo Castillo teme que os chineses "obtenham monopólio sobre a maca e sejam capazes de definir o preço no mercado mundial". Ele alertou sobre alguns agricultores que venderam sementes da maca peruana para os compradores chineses. "Não podemos deixar que as sementes saiam do país", disse ele. "A maca é nosso alimento ancestral. É o nosso orgulho."

    O ímpeto comprador dos chineses e a exportação clandestina da maca ou de suas sementes motivam questionamentos sobre até que ponto países em desenvolvimento são capazes de controlar o acesso às suas espécies nativas.

    Mas esse movimento também choca compradores do tubérculo nos EUA, na Europa e no Japão, que repentinamente viram os preços da maca processada disparar ou foram informados de que simplesmente não restava maca peruana para adquirir.

    Zach Adelman, dono da importadora Navitas Naturals, com sede em Novato, na Califórnia, disse que a sua empresa antes pagava cerca de US$ 7,50 o quilo da maca em pó. Agora, alguns fornecedores estão pedindo mais de US$ 40. "Não parece que o preço irá cair ou mesmo se estabilizar", disse Adelman. No ano que vem, segundo ele, os compradores vão pagar até US$ 160 pelo quilo da maca.

    Alguns estudos científicos associam o consumo da maca peruana ao aumento da libido. Tais crenças existem há séculos. Um relato histórico diz que um imperador inca incluiu a maca na alimentação das suas tropas, para lhes dar energia, mas voltou atrás, apesar das campanhas vitoriosas, pois achou melhor domar o desejo sexual dos guerreiros.

    A maca havia praticamente desaparecido como cultivo nos anos 1980, mas começou a ser retomada na década seguinte, graças ao incentivo governamental e à fama de ser afrodisíaca. De acordo com o ministério peruano da Agricultura, em 2012 havia 2.520 hectares cultivados com maca, bem acima dos 1.300 hectares de 2010. Essa extensão parece ter crescido significativamente desde então.

    Em junho, com o início da safra, os compradores chineses chegaram a Junín, de 10 mil habitantes, num desolado altiplano cercado por morros de cor ocre, 4.100 metros acima do nível do mar.

    Em poucas semanas, a variedade mais procurada desse tubérculo saltou de aproximadamente US$ 4 o quilo para mais de US$ 22.

    Fortunas foram ganhas da noite para o dia. "Mudou minha vida", disse Pilar Cóndor, 25, de pé ao lado da sua nova caminhonete Toyota Hilux preta e carregando seu filho Kenny, de sete meses, num xale que usa amarrado às costas. "Não é muita gente da minha idade que consegue comprar uma caminhonete com seu trabalho."

    Ela disse que sua família, que ao todo cultivou cerca de cem hectares de maca neste ano, também construiu um "puxadinho" na sua casa e adquiriu um caminhão para transportar a maca colhida.

    Ela contou que, na véspera, havia vendido oito toneladas de maca por cerca de US$ 16 o quilo, faturando mais de US$ 140 mil.

    Muitos dos chineses que compraram maca recentemente carregaram as raízes secas em caminhões e as enviaram clandestinamente para a Bolívia, segundo funcionários do governo peruano. Isso prejudicou os processadores locais. Mas a maior preocupação decorre dos relatos de que agricultores chineses já teriam começado a cultivar maca. Valladolid, da comissão de combate à biopirataria, disse que essas plantações só podem ter sido iniciadas com sementes contrabandeadas.

    Como a maca esgota o solo rapidamente, os agricultores geralmente cultivam um terreno por apenas dois anos, após os quais devem deixá-lo descansar por até 15 anos. Isso obrigou os agricultores a irem cada vez mais longe para encontrar terras onde plantar.

    Esse é o problema enfrentado por Hugo Arias, 53, considerado o rei da maca por causa das suas extensas plantações. Ele cultivou mais de 250 hectares neste ano e disse que pretende aumentar essa área em 20% para a próxima safra. Arias afirmou ter usado grande parte do lucro deste ano para adquirir equipamentos agrícolas e arrendar mais terras. Ele também está construindo uma casa grande na cidade.

    Num dia recente, o fazendeiro pedia mais empenho aos cerca de 200 trabalhadores que que colhiam a maca, num campo a mais de 4.500 metros de altitude. "Dizem que eu estou explorando as pessoas", disse Arias.

    "Eu não exploro ninguém. Eu dou trabalho às pessoas."

    Sem que Arias pudesse ouvir, alguns trabalhadores, incluindo mulheres com bebês nas costas, disseram que, apesar de terem recebido um aumento neste ano, não se sentem suficientemente beneficiados pelo impressionante aumento na cotação da maca peruana. Eles recebem o equivalente a US$ 11,37 por dia, acima dos US$ 9,65 oferecidos no ano passado.

    O salto no preço também causa problemas. Produtores contaram que estão pernoitando junto a silos e tendas de secagem para vigiar contra ladrões. Suas preocupações aumentaram depois que o armazém de um comprador japonês foi invadido. O representante local da empresa disse que os ladrões o atingiram na cabeça e então carregaram sacas de maca seca numa caminhonete.

    Os juninos, como são chamados os habitantes locais, geralmente consomem maca duas ou três vezes por semana, no café da manhã. Eles fervem a raiz e a misturam com leite, frutas e açúcar, transformando-a numa bebida quente chamada suco de maca. Mas, com o aumento do preço, muitos agora precisaram abrir mão desse costume.

    "O pobre em Junín não pode mais comer maca", disse Olga Rapri, 48, dona de uma loja de roupas na cidade. "Agora é preciso ser rico."

    Colaborou Andrea Zarate, de Lima, Peru.

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