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    Economia cubana não vai melhorar logo, diz escritor

    PATRÍCIA CAMPOS MELLO
    DE ENVIADA ESPECIAL A HAVANA

    21/12/2014 02h00

    O Halloween e o happy-hour já chegaram à Cuba socialista, então que mal podem fazer o Walmart e o MacDonald's?

    Isso é o que se pergunta o cubano Ahmel Echevarría, um dos expoentes da nova geração de escritores da ilha, que venceu vários prêmios e é editor do Centro de Formación Literaria Onelio Jorge Cardoso, em Havana.

    Para Echevarría, o grande problema agora são as expectativas exageradas da população em relação aos efeitos positivos da aproximação entre Cuba e Estados Unidos sobre a economia da ilha.

    "Falar sobre curto prazo em Cuba é muito complicado. Eu tenho 40 anos e a política aqui sempre foi assim, dois passos para frente, um para trás." Abaixo, trechos da entrevista concedida por Echevarría.

    *

    FOLHA - O que você acha que vai mudar no curto prazo em Cuba por causa da reaproximação com os EUA?

    Ahmel Echevarría - Falar sobre curto prazo em Cuba é muito complicado. Eu tenho 40 anos e a política aqui sempre foi assim, dois passos para frente, um para trás, um avanço seguido de um retrocesso. Agora, uma série de coisas se tornaram obsoletas. O inimigo de Cuba quem é? Estados Unidos. Mas uma vez que se restabelecem as relações diplomáticas, como vamos tratar esse amigo-inimigo?

    Depois da luta de Elian Gonzalez, a outra grande batalha era dos cinco heróis (cubanos acusados de espionagem que estavam presos nos EUA), que voltaram para casa. Então agora o governo cubano precisa de uma outra batalha como divisa política. É uma situação diferente, é difícil prever efeitos.

    Os benefícios dessa abertura irão chegar até a população mais pobre da ilha?

    No geral, o governo vem fazendo várias mudanças aqui, mas os preços dos produtos não caem; aumentam salários, mas o dinheiro não dá para nada. Como as pessoas se mantêm? Comprando no mercado negro ou roubando, até a linguagem muda, tiraram a carga pejorativa, não dizem que as pessoas roubam, dizem que estão lutando.

    Estão implementando mudanças para que a vida melhore para todos em Cuba, mas as melhoras ainda não chegaram para quem está da metade para baixo da escala salarial. Todos que ganham em moeda nacional, os CUP (e não os CUC, o peso conversível) estão sofrendo muito.

    O salário médio em Cuba é cerca de US$ 30. Eu ganho 395 pesos cubanos (US$ 17). Quase dobraram o salário da minha mãe, que é professora da escola de enfermaria, ela agora ganha 1120 pesos cubanos ( US$ 48), mas para o mês todo é pouco dinheiro.

    Existe uma cota de produtos da cesta básica que são vendidos em pesos cubanos, mas eles não são suficientes, e aqueles que faltam são vendidos em cuc, seja no mercado negro, ou em lojas do governo. É o problema da dupla circulação de moeda em Cuba (peso cubano e peso conversível). Agora, preparando-se para a unificação das moedas, algumas lojas trabalham com as duas, mas esse processo será muito complicado.

    Qual é o principal problema de um cubano hoje?
    Econômico. A maioria das pessoas está tentando resolver problemas fundamentais, como moradia e alimentação.

    As pessoas querem ir para os EUA não porque odeiam Fidel, mas porque querem ter uma vida mais cômoda, ainda que precisem ter dois ou três empregos para isso. Elas têm o sonho de ter um par de tênis Adidas, um carro de segunda ou terceira mão, uma casinha pequena...aqui em Cuba é muito difícil conseguir isso.

    Há pouco mais de um ano o governo autorizou a compra de casas....
    Sim, mas as pessoas não têm dinheiro. Uma casa de um quarto, no centro de Havana, num bairro que não é dos mais caros, custa 8 mil CUC (US$ 333) Mas as pessoas ganham em pesos cubanos...

    Se alguém quiser construir sua própria casa, isso demora alguns anos, porque a pessoa precisa comprar materiais de construção. Nos lugares que vendem os materiais, às vezes tem areia, mas não tem cimento....às vezes tem cimento, mas não tem areia. Aí é preciso recorrer ao mercado negro, que é muito caro.

    Alugar também é caro, as pessoas dependem de remessas de parentes que vivem fora do país. E há também o desejo de liberdade, a possibilidade de movimento, ir para onde quiser. Hoje, não há mais necessidade da permissão para sair, mas agora o problema é o outro lado, conseguir o visto do outro país. E aí precisa de dinheiro para comprar a passagem, e tudo é em CUC.. Essa liberdade então não existe, por motivos econômicos.

    Você acredita em melhoras econômicas em breve?
    Vejo as pessoas muito contentes nas ruas, gostaria que houvesse medidas que nos ajudassem a levar uma vida mais cômoda, mas isso não vai acontecer tão logo. Os cubanos acreditam que essa aproximação com o governo americano significa que vão facilitar o visto, mas eu duvido, que país quer essa quantidade imensa de imigrantes que iriam.

    É como construir um castelo no ar, é muito irrealista. Eu suspeito que isso tudo não venha de graça dos EUA. Eles estão de olho nos resultados: haverá informações, telefonia, internet, as remessas vão subir, as pessoas vão pensar nossa, nosso grande aliado, grande presidente, não é Raúl, é Obama.

    Eles dizem querer o empoderamento da população cubana, para levar à democracia. Parece que reconheceram que é mais fácil fazer assim do que à força, com uma invasão.

    Mas por que então o governo cubano teria aceito isso, se isso pode representar a médio prazo o fim do regime?
    Eu não vejo assim, podem ser implementadas uma série de medidas políticas e econômicas para que as coisas não escapem das mãos deles....mudar para não mudar....

    Tem gente com ódio dos EUA?
    Sim, a geração dos nosso pais, que viveram a revolução, sempre viram os EUA como o inimigo, pensam que não se pode nunca negociar com essa gente. Mas os mais jovens têm uma visão diferente. O tempo foi passando, hoje a visão que esses jovens têm de Fidel é só por fotos no Granma. Eu o via pela TV, em concentrações públicas. Hoje quem está em tudo é Raúl, Fidel não é mais protagonista de nada.

    Você tem medo das mudanças que podem acontecer?
    O que poderia mudar? Aparecer aqui o Walmart, o Mac Donald's? Que mal isso vai nos fazer? Isso estabeleceria um modo de vida que não é o cubano. Mas isso já está acontecendo. Agora temos Haloween em Cuba.

    Os cuentapropistas (pessoas que receberam autorização recentemente para abrir seu próprio negócio) abriram bares e restaurantes e mostraram a nova cara dos serviços em Cuba, são muito mais eficientes do que a maioria dos bares do governo. E eles criaram medidas para atrair a clientela, lançaram Halloween e também....como se chama aquilo? Happy hour. Isso não existia há um, dois anos atrás.

    Mas será que é negativo? Estamos dando possibilidade para que um cliente possa consumir um produto com mais qualidade. Vamos trazer o modo de vida capitalista para a Cuba socialista. Quão negativo será para o cubano? Precisamos analisar todo o acervo cultural de Cuba, a tradição, ver como isso vai reagir à entrada de produtos culturais de má qualidade. É um perigo, mas faz parte.

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