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    Céticos, dissidentes protestam em Havana

    PATRÍCIA CAMPOS MELLO
    FABIANO MAISONNAVE
    ENVIADOS ESPECIAIS A HAVANA

    22/12/2014 02h00

    No primeiro protesto em Havana do grupo de dissidentes Damas de Branco depois do anúncio da reaproximação entre Cuba e EUA, não houve repressão do governo.

    Mesmo assim, oposicionistas estão céticos sobre a possibilidade de mudanças na ilha e ansiosos com a falta de notícias sobre os 53 presos políticos que serão libertados, parte do acordo com os EUA.

    A "dama de branco" Adis Nidia Dayer, 46, que disse que teve seu braço quebrado por uma policial em um protesto no último dia 10, caminhava calmamente ao lado de outras 70 integrantes do grupo no domingo (21) de manhã.

    "Natural que hoje eles não façam nada, está todo o mundo olhando", disse. Segundo ela, a policial quebrou seu braço com o cabo de uma arma, enquanto gritava: "Mercenária, se vende para os americanos."

    "Abaixo a ditadura castrista! Cuba sim, Castro não", gritava Rebeca Rojas, mostrando seu "sorriso de drácula", como ela se refere ao fato de ter perdido dois dentes da frente depois de apanhar em uma manifestação em 2011.

    Fabiano Maisonnave/Folhapress
    Grupo Damas de Blanco, um dos principais opositores à ditadura cubana, marcha em Havana com imagem de líder Laura Pollan, que morreu em 2011
    Grupo Damas de Blanco marcha em Havana com imagem de líder Laura Pollan, que morreu em 2011

    "Até hoje não consertei os dentes, para lembrar o que me aconteceu", diz ela, que se tornou opositora depois que confiscaram a loja de seu pai e ela e o quatro irmãos, pequenos na época, tiveram que sobreviver de uma pensão mínima. Em 2001, seus pais partiram para a Flórida.

    Angel Moya, ativista que ficou oito anos preso, está preocupado com a lista de 53 presos que serão libertados.

    "Como sempre, não sabemos nada, é o mesmo secretismo que sempre cerca todas as ações do governo", diz Moya, que é marido de Berta Soler, líder do grupo.

    A vendedora Mercedes Rico, 59, só se juntou às Damas de Branco após a prisão do filho, o dissidente Alexander Fernandez, 39. "Comecei a vir para buscar conforto."

    Ela afirma que Fernandez foi condenado a dois anos por desacato à autoridade, mas já está preso há três anos. Nesse período, diz, ele fez duas greves de fome e perdeu a visão de um olho como sequela. Também teria sido espancado na cadeia.

    Ela não sabe se o filho estará entre os 53 que serão soltos, mas está esperançosa por causa de uma quebra na rotina: "O meu filho sempre me chama às sextas-feiras, mas desta vez não ligou".

    Outra grande questão é se irão libertar Ernesto Borges. Ele está preso há 17 anos, acusado de tentativa de espionagem. Era do serviço de contraespionagem cubano e tentou entregar aos americanos, sem sucesso, uma lista com os nomes de 26 espiões cubanos infiltrados nos EUA.

    Foi condenado a 30 anos, dos quais dez passou em uma solitária. "Meu filho é um dos homens mais odiados pela ditadura, é considerado questão pessoal para Raúl Castro, não sei se será libertado", diz seu pai, Raul Borges.

    Borges chegou a dividir uma cela com Rolando Sarraff, que fez parte da troca de prisioneiros esta semana entre os dois governos, junto com o americano Alan Gross.

    CONTRA O ACORDO

    Egberto Escobedo, que ficou 15 anos na prisão, acha que a aproximação com os EUA não ajuda em nada, e até atrapalha. "Obama fez todas as concessões, enquanto Raúl não fez nenhuma: Cuba não passará a ter eleições ou liberdade de expressão", diz. "O dinheiro que vai entrar, em investimentos e turismo, será uma injeção de oxigênio para os ditadores."

    A maioria das damas de branco recebe 25 CUC (cerca de US$ 25, ou R$ 66), vindos de uma ONG em Miami. "Não conseguimos arrumar emprego aqui em Cuba, nos chamam de contrarrevolucionárias e dizem que não somos confiáveis", diz Adis.

    Neste domingo, Obama disse que, ao restabelecer relações, os EUA têm "oportunidade de influenciar o rumo dos acontecimentos em um momento em que haverá mudança de gerações na ilha".

    O ativista Antonio Rodiles é cético. "Depois do castrismo, teremos o neocastrismo, com descendentes de Raúl e Fidel e filhos de generais. Queremos verdadeira transição democrática, não autoritarismo tropical. Esse acordo legitima o neocastrismo."

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