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    'Trabalhadores por conta própria' esperam por mais abertura em Cuba

    FABIANO MAISONNAVE
    ENVIADO ESPECIAL A HAVANA

    28/12/2014 02h00

    Com clientes que variam do príncipe Albert de Mônaco ao líder venezuelano Hugo Chávez, morto em 2013, o estilista e filho de cortador de cana Emiliano Nelson superou a infância pobre para se tornar o principal criador cubano de "guayaberas", as camisas sociais do Caribe.

    Mas as rígidas regras para o setor privado limitam o negócio e o obrigam a ser criativo na operação comercial e no desenho das roupas.

    "Fizeram as reformas econômicas, mas não são sentidas. Falta criar condições", diz Nelson, 53, em entrevista na modesta loja-oficina de costura que ocupa parte da sala de sua casa, no centro histórico de Havana.

    Na parede do negócio, aberto em 2011, fotos ao lado de clientes famosos, como o cantor Sting.

    Iniciada em 2008, a flexibilização do regime comunista cubano ainda engatinha na maioria dos setores da economia. Para "trabalhadores por conta própria" como Nelson –o termo empresário ainda é um tabu–, a abertura os deixou numa espécie de limbo: já não precisam trabalhar clandestinamente, mas ainda não dispõem de um status legal definido.

    No caso da grife E'Nelson, as limitações incluem dificuldades para importar máquinas e matéria-prima, ausência de crédito, proibição de criar uma empresa e falta de liberdade para comercializar.

    Nelson conta que só conseguiu uma máquina semi-industrial graças ao ator de ação Steven Seagal, que a comprou nos EUA e, por causa do bloqueio, a enviou ao Japão, de onde um amigo em comum a trouxe para Cuba. "No mundo, a tecnologia está voando, e aqui as máquinas de costura são de 1800."

    O acesso a tecidos de qualidade é outra aventura. O estilista, que tem três funcionários e produz cerca de cem peças ao mês, depende de amigos que o abastecem com pequenas quantidades compradas no exterior –um dos "fornecedores" é um estudante brasileiro de medicina.

    "Se estivesse no Equador, na Jamaica, eu me comunicaria com alguém no Brasil e diria: 'Preciso de um tecido assim e assim'. Mas aqui não posso fazer isso. Primeiro, porque não posso enviar dinheiro para o exterior. E, mesmo se tivesse dinheiro para pagar 500 metros, eles apreenderiam; posso entrar com apenas 50 metros", diz.

    Outro grande obstáculo é o financiamento. Os bancos estatais só oferecem microcréditos em moeda local, não conversível. O estilista diz que há estrangeiros interessados em investir, mas, como ele não é pessoa jurídica, não há como fazer oficialmente.

    Embora o capital de fora seja visível no setor turístico, em outras áreas está apenas engatinhando: nenhum acordo foi fechado até agora dentro do marco da nova lei de investimentos estrangeiros, aprovada pela Assembleia de Cuba há nove meses.

    Enfim, há a comercialização. Vendas em grande quantidade só podem ser feitas por meio do Estado. Na loja, o preço mínimo da camisa feita a mão é US$ 110 –inacessível para muitos cubanos, com salário médio de US$ 20.

    Fabiano Maisonnave/Folhapress
    Emiliano Nelson, que faz as 'guayaberas' mais famosas de Cuba, em sua casa-oficina, em Havana.
    Emiliano Nelson, que faz as 'guayaberas' mais famosas de Cuba, em sua casa-oficina, em Havana.

    CASAS PARTICULARES

    Um negócio privado mais consolidado na ilha são as "casas particulares", famílias que alugam quartos para turistas estrangeiros. O modelo começou em meados dos anos 1990, quando Cuba atravessava o "período especial", eufemismo usado para descrever a profunda crise econômica pós-URSS.

    Uma das pioneiras é Mercedes González, 60. Cobrando diária de US$ 30, ela aluga dois quartos de seu amplo apartamento, construído e adquirido pela família do marido antes da Revolução de 1959 e decorado com sóbrios móveis de madeira antigos.

    Para quem espera paredes em ruínas com o retrato do Che, o quarto é uma decepção: há ar condicionado, banheiro privativo, frigobar e até um cofre no armário. O único indício da Cuba comunista é a imagem ruim do canal estatal na TV antiga.

    Formada em ciência da informação, González abriu o negócio em 1994. Após dois anos, deixou o trabalho de diretora do Centro de Criação de Base de Dados da Pesquisa Científica de Cuba. Hoje, tem uma funcionária e o marido leciona na Universidade de Havana. O filho faz mestrado no exterior.

    Assim como o camiseiro, González demonstra otimismo moderado com a reaproximação com os EUA, embora nenhum tenha se arriscado a fazer previsões sobre o impacto em Cuba das medidas anunciadas.

    Menos ambiciosa sobre seu negócio, ela diz apenas que quer ter internet em casa, o que ajudaria nas reservas. O resto, diz, funciona bem.

    "Ao governo a casa particular pareceu uma boa ideia. Este tipo de atividade jamais concorrerá com o Estado."

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