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    Livro de George W. Bush sobre o pai é compilação de lugares-comuns

    CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    05/01/2015 02h00

    O recém-lançado livro de George W. Bush sobre seu pai, ambos ex-presidentes dos EUA, não contém nenhuma informação nova sobre os dois nem traz qualquer opinião inesperada de um em relação ao outro.

    "41: A Portrait of My Father" é apenas uma homenagem filial, cheia dos lugares-comuns das relações familiares convencionais nos EUA e do bom mocismo para consumo público da política no país.

    O jovem Bush descreve o velho como imaculado, sem defeitos de caráter, que não cometeu nenhum erro ao longo dos 90 anos de vida, e a si próprio como seguidor inabalável e sem questionamentos de seus princípios éticos.

    Nos raros momentos em que aponta algum deslize político do pai (por exemplo, não ter defendido com suficiente ênfase o acordo orçamentário de 1990 com o Congresso durante a campanha de 1992) o autor responsabiliza assessores, não o pai.

    Embora nenhuma biografia respeitável tenha sido até agora publicada nem sobre o 41º ou o 43º presidente dos EUA, sabe-se que a relação dos dois esteve longe de ser tão vazia de desentendimentos como W. narra.

    O único incidente de discórdia a que se refere foi a noite em que, aos 20 anos, chegou à casa dos pais embriagado e bateu com o carro no lixo. Segundo W., após ter levado uma bronca da mãe, foi à presença do pai, que se limitou a olhá-lo fixamente nos olhos. "Senti-me um tolo (...) Isso foi o mais parecido com uma discussão que tivemos [na vida]."

    Não há nenhuma menção à propalada preferência dos pais pelo irmão Jeb, inclusive quando os dois se lançaram candidatos ao governo do Texas e da Flórida em 1994 (W. venceu e Jeb perdeu), apesar de o pai, na noite do pleito, ter dito publicamente que "a alegria está no Texas, mas meu coração está na Flórida".

    W. se refere diversas vezes a Brent Scowcroft, importante assessor de segurança nacional no governo do pai, mas não escreve uma linha sobre os sucessivos ataques que Scowcroft fez à invasão do Iraque em 2003 e ao modo como 43 lidou com aquele país durante todo o seu governo.

    A proximidade entre Scowcroft e George H. W. Bush, nunca abalada, fez muitos analistas opinarem que o pai também estava em desacordo com o filho sobre o Iraque. Mas W. em nenhum momento admite algo parecido.

    Ao menos um mérito o livro tem: é escrito em linguagem coloquial e agradável. Mas não passa de um verbete da Wikipedia com algumas intervenções carinhosas do filho sobre o pai.

    CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA, livre-docente e doutor em comunicação pela USP, é editor da revista "Política Externa". Foi ombudsman da Folha

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    A PORTRAIT OF MY FATHER

    Autor: George W. Bush

    Lançamento: Crown Publishers

    Preço: US$ 28 (294 páginas)

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