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    Com foro latino-americano, China reforça presença no "quintal" dos EUA

    MARCELO NINIO
    DE PEQUIM

    07/01/2015 16h17

    A conferência que começa em Pequim nesta quinta (8) é mais que um novo movimento de aproximação entre China e América Latina. Para analistas, é a consolidação da presença chinesa em uma região tradicionalmente vista como uma área de influência dos EUA.

    Na noite desta quarta (7) o líder chinês, Xi Jinping, recebeu para um banquete representantes dos 33 membros da Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos). Entre eles, o novo chanceler do Brasil, Mauro Vieira, que desembarcara poucas horas antes em Pequim.

    Será a primeira conferência do Foro Celac-China, plataforma criada no ano passado por iniciativa de Pequim com o objetivo de aprofundar as relações com a América Latina, onde o país tem já forte atuação em comércio e investimentos.

    Para Matt Ferchen, professor de relações internacionais da Universidade Tsinghua, em Pequim, a associação institucionaliza as relações e mostra que o interesse da China na região vai além dos negócios.

    "A China espera que essa organização seja mais do que uma plataforma econômica. O que vai ser, especificamente, ainda é uma questão em aberto, mas a iniciativa tem valor simbólico", disse à Folha.

    Alavancada pelo apetite chinês por matérias-primas, as relações comerciais com a região cresceram quase nove vezes entre 2003 e 2013, de US$ 29 bilhões para US$ 259,6 bilhões. Acontece que o primeira reunião do mecanismo se dá num momento em que o boom das commodities, que foi uma benção para economias de países latino-americanos como o Brasil, é coisa do passado.

    Em parte por causa da desaceleração da economia chinesa, a demanda mundial caiu, e com ela os preços de matérias-primas que tem grande peso na pauta de exportação regional, como minério de ferro (Brasil), cobre (Chile) e petróleo (Venezuela e Equador).

    Diante do agravamento da crise econômica em seu país, o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, veio a Pequim em busca de uma novo empréstimo para conseguir fechar as contas. Nesta quarta, após reunir-se com o líder chinês, Xi Jinping, Maduro afirmou que foram fechados acordos de cooperação e financiamento no valor de US$ 20 bilhões.

    Maduro disse, porém que é "impossível" saber se o montante será suficiente para o país suportar a crise até que o petróleo, cujo valor caiu 50% nos últimos seis meses, volte a subir.

    A crise venezuelana impõe um dilema para a China, que por um lado hesita em conceder mais crédito a um país sob risco de moratória, mas por outro teme ter mais prejuízo se houver um colapso.

    "Temos um provérbio em chinês: quando alguém cai num poço, não podemos jogar uma pedra, temos que salvá-lo", diz Jiang Shixue, vice-presidente da Associação Chinesa de Estudos Latino-Americanos, indicando que Pequim continuará concedendo crédito a seu principal aliado latino-americano. Mesmo que endureça as condições.

    Desde 2007, a China concedeu cerca de US$ 50 bilhões em empréstimos à Venezuela, em troca de fornecimento futuro de petróleo.

    Embora o governo chinês afirme que sua ativa diplomacia econômica na América Latina não deve ser vista como um desafio à influência dos EUA, a imprensa estatal não deixa de ressaltar o teor de rivalidade Pequim-Washington.

    Jin Canrong, especialista em relações internacionais da Universidade Renmin, em Pequim, considera que os EUA tiveram que rever sua política para a América Latina por causa da ação chinesa no continente.

    "Ações recentes dos EUA, incluindo a dramática mudança diplomática em relação a Cuba, podem ser vistas como uma forma de fazer face à influência crescente da China na América Latina", disse ao jornal estatal "Global Times".

    Os EUA estão preocupados com a presença chinesa na região, concorda Jiang Shixue. Ele ressalta, porém, que o interesse da China é sobretudo econômico.

    "A China não tem intenção de desafiar a posição americana. Sei que muitos na região não gostam de ouvir isso, mas a América Latina ainda é o quintal dos EUA", diz o professor.

    Apesar da desaceleração de sua economia, a China continuará precisando importar as matérias-primas produzidas na América Latina, lembra Jiang, mantendo o interesse mútuo em ampliar as relações.
    Uma das áreas de cooperação mais promissoras é a de investimentos chineses em infraestrutura.

    "Esta é uma área em que há verdadeira complementaridade, mas por enquanto vimos pouco progresso", diz Ferchen. "A grande questão é se essa nova organização (Celac-China) ajudará a tirar os projetos do papel".

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