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    Locais ligados a muçulmanos se tornam alvos

    DIOGO BERCITO
    ENVIADO ESPECIAL A PARIS

    09/01/2015 09h45

    Enquanto policiais caçavam os suspeitos do ataque à publicação satírica "Charlie Hebdo", diversos locais associados à comunidade muçulmana foram alvo de ataques na quinta-feira (8) na França.
    Apesar de não estar confirmada a relação dessas agressões com o atentado de quarta, autoridades se preocupam com a possibilidade de retaliações contra muçulmanos.

    Houve um ataque com três granadas na mesquita de Le Mans, no oeste de Paris. Em Aude, tiros foram disparados contra um local de orações em Port la Nouvells. não houve feridos em nenhum dos dois incidentes.

    Em Villefranche-sur-Saône, no centro-leste da França, as janelas de um restaurante ao lado de uma mesquita foram destruídas por uma explosão.

    Jean-Philippe Ksiazek/AFP
    Polícia francesa isola a cena de uma explosão num restaurante Árabe em Villefranche-sur-Saone, no leste da França
    Polícia francesa isola a cena de uma explosão num restaurante Árabe em Villefranche-sur-Saone, no leste da França

    Em Vaucluse, um carro foi atacado. Em Poitiers, as paredes de um local de culto foram pintadas com os dizeres "morte aos árabes".

    Os ataques aconteceram, no entanto, apesar de a liderança muçulmana francesa ter repudiado o atentado ao "Charlie Hebdo", em que ao menos dois atiradores deixaram 12 mortos ao disparar na redação do semanário.

    Entre as vítimas está o policial Ahmed Merabet, nascido em uma família do norte da África. Apesar de não estar confirmado se era muçulmano, sua morte causou um frenesi nas mídias sociais, apresentando Merabet como um herói que defendeu o direito alheio de criticar a religião que ele próprio seguiria.

    PECADO

    O renovado debate público em torno do islã e das comunidades muçulmanas na França preocupa organizações islâmicas com a perspectiva de que a religião seja associada ao terrorismo e à pouca abertura à crítica.

    A reportagem da Folha percorreu várias regiões com muçulmanos em Paris e em seus arredores para saber se incomodavam os cartuns publicados pelo "Charlie Hebdo"com piadas com o profeta de sua religião.

    O consenso entre entrevistados é de que a ilustração foi recebida com desagrado. Mas é também consensual o repúdio à violência terrorista.

    Em uma livraria especializada em temas islâmicos, um vendedor é enfático: "É pecado desenhar o profeta".

    Sem se identificar, diz que as representações de Maomé são proibidas pelo islã. Mas não sabe apontar, entre os milhares de livros que vende, onde essa regra está registrada.

    "É um país livre, e as pessoas podem dizer o que quiserem", afirma Abdullah, 30, diante de uma mesquita em Saint Denis. "Mas eu preferia que respeitassem os homens sagrados. Não apenas os do islã, mas também os do cristianismo e os do judaísmo".

    Marroquino, há 15 anos em Paris, diz não ter se preocupado após o país registrar diversos ataques contra locais muçulmanos. "Peguei o metrô sem nenhum problema."

    RADICAIS

    Ali bin Jirani, dono de uma loja em Goutte d'Or, diz que "nós, sunitas, não desenhamos o profeta. Mas os franceses não são muçulmanos".

    "Estamos em um país livre, e a liberdade é importante para todos", afirma. "Esses conflitos são assunto dos radicais dos dois lados, os franceses de direita e os muçulmanos extremistas."

    O argelino Abu Hamza, 29, tem no entanto suas dúvidas. Ele concorda que a morte da equipe do "Charlie" seja um pecado no islã. Mas indica haver motivos para o ataque.

    "Por que desenhar Maomé?", indaga. "Todos sempre atacam os muçulmanos. Eles dizem que somos terroristas. Os infiéis não gostam de nós."

    "Todos os dias estão falando sobre terrorismo nos jornais. Os fiéis precisam ler o Corão em vez de ler notícias."

    De barba e sem bigode, o que no islã é interpretado como um visual conservador, Abu Hamza diz que suas roupas atraem olhares em Paris, onde nasceu de pais argelinos.

    A ideia de que "os terroristas não são verdadeiros muçulmanos" é repetida por um agente de viagens tunisiano que não revela seu nome.

    "Não há problema em desenhar Maomé. Desenhem o que quiserem desenhar. Temos de combater ideias com ideias, e não com armas", diz.

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