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    Opinião: Novo premiê grego será um Lula ou um Chávez?

    TONY BARBER
    DO "FINANCIAL TIMES"

    26/01/2015 12h30

    O líder de um partido de esquerda vence com grande vantagem as eleições na Grécia, causando inquietação aos seus aliados europeus. O líder do partido diz que a Grécia terá de escolher "entre o passado e o futuro, entre o progresso e o regresso, entre a dependência e a independência nacional".

    Estamos falando de Alexis Tsipras, líder do Syriza, o partido radical que venceu a eleição do domingo na Grécia? Parece que sim. Mas na verdade o discurso acima foi proferido por Andreas Papandreou, líder do partido socialista Pasok e primeiro-ministro grego, morto em 1996.

    O triunfo eleitoral de Papandreou em 1981 virou a política grega de cabeça para baixo. Criou incerteza nas capitais da Europa quanto à confiabilidade da Grécia, da mesma forma que o triunfo do Syriza fará.

    Papandreou governou a Grécia por quase toda a década de 80. A maneira pela qual ele exerceu o poder e conduziu o relacionamento de seu país com a Europa e os Estados Unidos oferece indicações sobre como Tsipras –presumindo que ele se torne primeiro-ministro– pode se comportar quando chefe de governo.

    As diferenças entre as circunstâncias gregas naquela época e agora, no entanto, são tão importantes quanto as semelhanças.

    Tsipras governará um país cuja dívida pública equivale a 175% do Produto Interno Bruto (PIB). Nas próximas semanas e meses, a estabilidade das finanças do governo e do sistema bancário gregos dependerá muito dos credores externos - a União Europeia e o Fundo Monetário Internacional (FMI) - que mantiveram o país à tona desde 2010.

    Em 1981, Papandreou tinha mais espaço para ação independente do que Tsipras terá. A dívida pública grega, 34 anos atrás, era de 25% do PIB. Isso permitiu que Papandreou conduzisse uma vasta expansão do setor público, colonizado por funcionários apontados pelo Pasok a tal ponto que a linha divisória entre o Estado e o partido governante se tornou invisível.

    Tsipras promete grande aumento nos gastos públicos. Ele terá por objetivo colocar homens de confiança do Syriza no aparelho do Estado, medida que fará recordar o posicionamento dos "guardas verdes" do Pasok no governo por Papandreou. Mas as finanças da Grécia enfrentam tamanhas dificuldades, com 4,3 bilhões de euros em pagamentos de dívidas com vencimento em março, e parcelas em valor de mais alguns bilhões vencendo em agosto, que uma onda de gastos públicos como a praticada pelo Pasok se provará impensável.

    Tsipras desejará cumprir suas promessas eleitorais menos dispendiosas, religando a eletricidade dos domicílios mais pobres nos quais ela foi cortada pelo não pagamento de contas, e fornecendo assistência alimentar aos gregos carentes.

    Ele poderia bancar essas medidas por meio de dois bilhões de euros em arrecadação adicional obtidos pela eliminação de diversas isenções fiscais e previdenciárias. Também pode tentar transformar um ou dois dos oligarcas que dominam os grandes negócios da Grécia em bodes expiatórios.

    Ao tentar renegociar o pacote de resgate de 245 bilhões de euros que a União Europeia e o FMI concederam à Grécia, Tsipras estará em situação parecida com a de Papandreou, que ameaçou sair da Organização para o Tratado do Atlântico Norte (Otan) e da então Comunidade Econômica Europeia, à qual à Grécia havia aderido no começo de 1981.

    No fim, Papandreou não tomou medidas radicais como essas. Sua tática política era de confronto, e sua retórica era feroz, mas sua política externa era essencialmente pragmática. Os generosos subsídios europeus à agricultura e, em anos posteriores, verbas de assistência regional, temperaram o radicalismo do Pasok.

    A questão central, à qual ainda não se pode dar resposta, é se Tsipras, como ele, provará ser moderado ao exercer o poder, e se estará disposto a fazer acordos com os credores da Grécia. Nos últimos três anos, seu discurso às vezes se parece com o de Hugo Chávez, o líder populista venezuelano e adversário regional dos Estados Unidos, e às vezes com o de Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-presidente brasileiro que, ao chegar ao poder, governou mais como reformista do que como esquerdista radical.

    Em favor de Tsipras, caso ele opte pelo caminho do pragmatismo, está o fato de que a Grécia em 2015 não está envolvida na venenosa guerra ideológica que existia em 1981, apenas 32 anos depois do final da guerra civil que dividiu o país entre 1946 e 1949.

    Contra ele está o fato de que as facções de extrema esquerda do Syriza abominam o pragmatismo. As decisões que Tsipras terá de tomar são dolorosamente complicadas. Talvez a mais segura previsão seja a de que, ao contrário de Papandreou, é improvável que Tsipras governe por oito anos consecutivos.


    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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