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    Opinião: Grécia enfrenta crise de identidade

    TAKIS THEODOROPOULOS
    ESPECIAL PARA O "NEW YORK TIMES"
    EM ATENAS, GRÉCIA

    07/02/2015 02h00

    Os gregos estão fartos da troika, representada por três senhores de terno cinza que aparecem regularmente no noticiário.

    Cada vez que esses funcionários da Comissão Europeia, do Banco Central Europeu e do Fundo Monetário Internacional os visitavam -quatro vezes por ano desde 2010-, os gregos sabiam que um novo pacote de medidas de austeridade estava a caminho: haveria mais impostos combinados com cortes salariais, outras centenas de pequenas empresas iriam à falência e mais alguns milhares de nomes apareceriam nas listas de desempregados.

    Os gregos estão fartos dos planos de sobrevivência elaborados por políticos europeus e por seus próprios líderes. Estão fartos de um Estado podre e corrupto.

    O Estado grego, no qual os cidadãos nunca confiaram, sofre de uma forma de glutonia senil.

    Faminto pelos impostos que incidem sobre alvarás e certificados que alimentam a corrupção, ele transforma qualquer iniciativa privada em uma pena digna de Sísifo. São necessários uns 50 documentos e dois meses de filas para abrir uma pequena editora.

    A tributação sobre o setor imobiliário ainda se baseia nos valores pré-crise, o que é quase 40% a mais do que o valor comercial real.

    O Estado é um Leviatã doente que pede às pessoas para sacrificarem seus empregos, suas casas e sua dignidade.

    Desde 2010, os economistas estão à frente, propondo soluções que mais parecem previsões astrológicas. Os políticos falam como gerentes contábeis e tentam ignorar a enorme dívida que paralisou o país, apesar de ela ter sido causada por suas próprias políticas. A democracia se baseia na confiança, mas a insegurança reina na Grécia.

    O novo governo em Atenas é um híbrido político baseado em uma coalizão entre a esquerda radical e um pequeno partido nacionalista, xenófobo e antissemita de extrema-direita. A coalizão é populista, enraizada na linguagem do euroceticismo, que substituiu o antiamericanismo tradicional da esquerda grega.

    De que outra forma se pode explicar a saudação de Marine Le Pen, líder da direitista Frente Nacional da França, ao novo premiê da Grécia, Alexis Tsipras? De que outra forma se pode explicar a relutância do novo ministro das Relações Exteriores, um ex-membro do pró-soviético Partido Comunista da Grécia, em ampliar as sanções contra a Rússia pela intervenção na Ucrânia?

    O euroceticismo na Grécia se tornou uma questão existencial que corre o risco de voltar o país não só contra a burocracia de Bruxelas, mas também contra os valores culturais ocidentais.

    A esquerda radical e os nacionalistas se encontraram pela primeira vez em 2011, quando milhares de manifestantes se reuniam diariamente na praça Syntagma, em Atenas, proferindo insultos ao Parlamento, ao governo, a Angela Merkel e ao memorando assinado entre a Grécia e a troika.

    Os manifestantes, conhecidos como o "aganaktismenoi", eram a versão grega dos "indignados" espanhóis que, mais ou menos na mesma época, enchiam as praças públicas de Madri. O atual ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, era uma figura proeminente na praça, inflamando a massa como um Danton contemporâneo, enquanto a poucos metros dele os skinheads do partido neonazista Aurora Dourada agitavam bandeiras gregas.

    Foi então que a retórica do novo populismo se formou. Foi então que o Syriza, um pequeno partido de esquerda com um jovem líder que batizou seu filho em homenagem a Ernesto Che Guevara, encontrou o partido Gregos Independentes, cujos líderes já declararam que aviões pulverizam gases psicotrópicos sobre Atenas.

    Desde 2011, a pedido dos alemães, o governo tomou medidas de austeridade que dizimaram a classe média. Pesados impostos têm sido cobrados, sem esperança plausível de fuga ou crescimento econômico. O sistema público de saúde entrou em colapso, a educação pública está sofrendo e a fantasia de abandonar a zona do euro para adotar uma "nova dracma" se combina com fantasias inclusive mais exóticas.

    Aris Messinis/AFP
    O novo ministro das Finanças da Grécia, Yanis Varoufakis, em cerimônia em Atenas
    O novo ministro das Finanças da Grécia, Yanis Varoufakis, em cerimônia em Atenas

    Os gregos podem continuar sonhando em se tornar os venezuelanos do Mediterrâneo. Hugo Chávez tem fãs no novo governo. Para eles, a falta de sabonete, de papel higiênico e de alimentos básicos são insignificantes em comparação ao lugar deles na "História" e à importância da "Independência Nacional". Se você quiser fazer um jogo de palavras, basta substituir "Independência" por "Isolamento".

    A Grécia precisa mudar. O novo governo precisa cumprir um contrato baseado em abandonar a austeridade e combater a corrupção. Vamos descobrir se ele escolhe uma estratégia de confronto com a Europa, o que pode levar ao isolamento da Grécia e a um futuro como Estado falido.

    Se o partido Syriza tentar realizar tudo o que prometeu a seus apoiadores, um conflito com os parceiros europeus provavelmente será inevitável.

    Nesse caso, o país terá de enfrentar um destino que os gregos pensavam ter deixado para trás. Outros países do sul da Europa, como Espanha, França, Portugal e Itália, continuariam sendo países europeus mesmo que não fizessem parte da União Europeia. Eles passaram por todas as fases da história europeia, do Renascimento ao Iluminismo.

    A Grécia sem a União Europeia terá de reinventar a sua identidade. E, como sabemos pelo pobre rei de Tebas, Édipo, os resultados podem ser muito arriscados. Tentando salvar sua cidade da maldição de Apolo, ele percebeu que era um assassino incestuoso. Édipo sabia o que é o homem, e assim resolveu o enigma da Esfinge, mas não conhecia a si próprio.

    TAKIS THEODOROPOULOS é romancista e colunista do jornal "Kathimerini", de Atenas. Envie comentários para intelligence@nytimes.com

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