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    Sem falar português, sírios vivem 'no escuro' em prisão em Natal

    MARCO ANTÔNIO MARTINS
    DO RIO
    ISABEL FLECK
    DE SÃO PAULO

    15/02/2015 02h00

    Alocados em diferentes celas na cadeia pública de Natal e sem falar uma palavra em português, os cinco sírios detidos com passaportes israelenses falsos a caminho da Holanda têm vivido "no escuro" nos últimos três meses, segundo o presidente da Comissão de Relações Exteriores da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Natal, Marconi Macedo.

    Sem entender as ordens de carcereiros, dois deles chegaram a ser atingidos por tiros de bala de borracha na perna porque não desocuparam o pátio da cadeia durante um princípio de rebelião.

    Muçulmanos sunitas, eles já perderam peso por não conseguirem se alimentar conforme os preceitos da religião.

    "Dá para ver que cada um deles deve ter perdido de 10 a 15 quilos nesses três meses", afirmou Muhamad Tawfik Mahamid, presidente da Associação Beneficente Muçulmana no Estado, que tem servido de "tradutor" para os sírios.

    Segundo Tawfik, o grupo –formado por homens identificados apenas como Azzam, Ahmed, Salah, Masoud e Ahmed, com idades entre 22 e 47 anos– está "desesperado". Ao menos três são pais, e um deles tem sete filhos.

    "Eles estão se sentindo humilhados. Um deles me disse que preferia ter morrido na Síria a passar por esse sofrimento aqui", disse Tawfik à Folha.

    A OAB entrou com um pedido de refúgio para os cinco junto ao governo brasileiro em dezembro, mas a legislação prevê que, após a solicitação, deverão ser suspensos procedimentos administrativos ou judiciais decorrentes apenas da entrada irregular no país.

    "Como nesse caso a prisão [com os passaportes falsos] se deu na tentativa de saída do Brasil, o Ministério Público e a Justiça Federal entenderam que não caberia a liberdade provisória", diz Macedo.

    Segundo o representante da comissão da OAB que tem prestado assistência ao grupo, já foram feitas três tentativas para que eles respondam ao processo em liberdade.

    Após o depoimento de dois deles, o juiz responsável pelo caso agora aguarda uma "certidão negativa" da Interpol, provando que os cinco não cometeram outros crimes internacionais e, principalmente, não têm nenhuma ligação com a facção radical Estado Islâmico (EI), para libertá-los.

    Enquanto isso não ocorre, a OAB tenta transferi-los para o centro de detenção do quartel da Polícia Militar do Estado, no centro de Natal, onde poderiam "ficar próximos uns dos outros e ter melhores condições físicas".

    Assim como no caso dos cinco sírios, os 11 iraquianos que foram enviados de volta ao Rio pelo governo uruguaio também solicitaram refúgio ao governo brasileiro.

    Nos dois casos, será levado em conta se os grupos estavam mesmo em situação de risco nos países de origem.

    Segundo o diretor do Departamento de Estrangeiros do Ministério da Justiça, João Guilherme Granja, integrante do Conare (Comitê Nacional para os Refugiados), o fato de os solicitantes terem usado documentos falsos será avaliado.

    "Mas, se o elemento predominante for o de preservação, diante do risco de violação de direito, prevalece o juízo do refúgio", diz.

    Os sírios formam hoje o maior contingente de refugiados do Brasil. Segundo o Acnur, 1.290 sírios solicitaram refúgio no Brasil só em 2014.

    A avaliação para a concessão do refúgio pode demorar mais de um ano. Segundo Granja, é possível que os pedidos não sejam discutidos na próxima reunião do Conare, em março.

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