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    Crescimento físico do Google irrita moradores de cidade da Califórnia

    CONOR DOUGHERTY
    DO "NEW YORK TIMES", EM MOUNTAIN VIEW (CALIFÓRNIA)

    26/02/2015 12h36

    A Apple está transferindo sua sede para um novo edifício no Vale do Silício que parece uma nave espacial. O Facebook está ampliando seu campus com um edifício novo criado por Frank Gehry. Agora é a vez do Google.

    Esta semana está previsto que o Google proponha a construção de uma nova sede: uma série de construções em estilo de pavilhão idealizada pela Heatherwick Studio, uma firma de design de Londres conhecida por obras como o caldeirão em chamas dos Jogos Olímpicos de 2012, e o arquiteto dinamarquês Bjarke Ingels, célebre por suas criações inovadoras.

    O projeto em Mountain View, que o Google não divulgou publicamente mas já discutiu com membros da Câmara Municipal da cidade, provavelmente vai agravar a relação cada vez mais irascível entre a empresa e líderes da comunidade, para os quais a empresa está tomando conta de sua cidadezinha.

    Quando o Google se mudou para a cidade, em 1999, tinha uma dúzia de funcionários e um motor de buscas que apenas aficionados por computadores conheciam. Hoje seus 20 mil funcionários em Mountain View fazem da empresa a maior empregadora na cidade, que mal consegue comportar tantas pessoas.

    "Nosso problema é que temos bons empregos demais", comentou o ativista ambiental Leonard M. Siegel, 66 anos, eleito recentemente para a Câmara da cidade. "Todo o mundo pensa que gostaria de estar em nossa situação, mas para o povo daqui, é uma crise."

    A mesma história se repete em vários lugares do Vale do Silício. Em Menlo Park, onde fica a sede do Facebook, a eleição de novembro incluiu a votação de uma medida que teria reduzido pela metade o aumento dos espaços comerciais no centro da cidade (a medida acabou sendo rejeitada pelos eleitores).

    Grupos de cidadãos na vizinha Palo Alto apelidaram de "residencialistas" seus vereadores mais contrários ao desenvolvimento.

    "Ninguém quer mudar", explicou o vereador Gilbert Wong, de Cupertino, a cidade que sedia a Apple. "Como vereador eleito, cabe a mim explicar aos moradores que ou eles aderem ao que está acontecendo e nos ajudam a decidir como equilibrar empregos e habitação, ou outras pessoas vão tomar essas decisões por nós."

    O Google é proprietário ou arrendatário de 678 mil metros quadrados de espaço comercial em Mountain View -o equivalente aproximado a três edifícios Empire State. De acordo com a imobiliária Transwestern, essa área inclui a maior parte do terreno em volta de sua sede, no lado norte da cidade, perto da Rodovia 101, que percorre o vale.

    O sucesso do Google levou muitos dólares de impostos a Mountain View e proporcionou à cidade um índice de desemprego de apenas 3,3%. Além disso, levou os preços dos imóveis residenciais a subir vertiginosamente e multiplicou os engarrafamentos.

    O setor de tecnologia é responsável por quase todas essas consequências positivas e negativas: 27% dos empregos na região do Vale do Silício são em tecnologia, contra 7% na Califórnia e 5% em todo o país, segundo a Moody's Analytics.

    O resultado é uma disputa existencial que contrapõe moradores que querem sustar o crescimento da cidade a pessoas para quem Mountain View precisa crescer e tornar-se uma cidade de verdade.

    Situada a 65 km ao sul de San Francisco, Mountain View tem 80 mil habitantes; com suas avenidas comerciais e ruas de residências familiares, tem a aparência de um subúrbio sonolento. Mas, desde que as contratações na cidade aumentaram tremendamente, suas ruas passaram a ficar lotadas nos horários do rush da manhã e do fim da tarde.

    Katherine Suri é cientista aposentada da Nasa que se mudou para Mountain View em 1974 e vive num terreno de mil metros quadrados. De sua casa, no início, ela avistava pomares de damascos e viveiros de plantas. Ela passou boa parte da década de 1980 levando seus filhos para um lado e outro numa perua Oldsmobile.

    Hoje sua vista é de outras casas, e o trânsito é tão ruim que Suri não marca hora no médico para antes das 11h. Quando caminha até a ACM, todas as manhãs, às vezes precisa passar entre carros parados no trânsito.

    Apesar dos inconvenientes, Suri aceitou que a cidade vai mudar, goste ela disso ou não. "Com o Google e outras empresas, Mountain View está crescendo, e é assim mesmo. Precisamos aprender a lidar com isso."

    O Google vem fazendo esforços para reduzir o trânsito, para seu bem e o da cidade. A empresa traz seus funcionários para o trabalho em ônibus particulares e em dado momento fez uma experiência, trazendo alguns de seus profissionais de San Francisco de barco.

    Em janeiro a empresa lançou um serviço de ônibus gratuito que é aberto ao público, e durante o dia seus profissionais podem ser vistos pedalando pela cidade nas bicicletas multicoloridas da empresa.

    Como uma parte tão grande do trânsito está ligado ao Google, a cidade passou os últimos dois anos discutindo um plano para a urbanização da área de North Bayshore, que cerca o escritório central do Google e fica próxima das principais rodovias.

    A visão do Google para sua nova sede, apelidada de Googleplex, vai incluir ciclovias e trilhas para pedestres. Ela é uma das várias propostas de desenvolvimento, redigidas por empresas diversas, que devem ser apresentadas à Câmara da cidade na sexta-feira.

    "Estas empresas são grandes corporações que chamam a atenção mundial para Mountain View, e Mountain View precisa evoluir para tornar-se uma cidade de categoria mundial", disse Ken S. Rosenberg, um dos sete vereadores da cidade. "Um dos critérios de uma cidade de categoria mundial é ser arquitetonicamente interessante."

    Mesmo que a proposta do Google seja aceita, a questão que mais divide a cidade -a quantidade e localização das novas unidades habitacionais a ser construídas-ainda não foi decidida.

    Executivos do Google já disseram em várias ocasiões que gostariam de construir imóveis residenciais em North Bayshore, mas a Câmara atual de Mountain View, em final de mandato, encontrou muitas razões para dizer não.

    Um argumento apresentado era que a construção de casas colocaria em risco uma espécie de coruja que vive em tocas subterrâneas no vizinho parque Shoreline. Outro era que, se pessoas se mudassem para a região, em pouco tempo iriam querer mais escolas e outros serviços caros. Ainda outros temem que um novo setor residencial possa criar um bloco eleitoral em favor do Google.

    Em novembro passado, numa eleição que foi vista amplamente como referendo sobre as políticas habitacionais da cidade, Mountain View elegeu três candidatos, um dos quais foi Rosenberg, que defendem a ideia de construir unidades habitacionais perto do campus do Google, ideia que contraria o plano de urbanização da Câmara anterior.

    A proposta para a sede do Google não inclui planos para a construção de casas. Mas a empresa já disse à Câmara que quer unidades habitacionais, e muitas. O vereador Siegel concorda. Ele quer emendar o plano da cidade para permitir a construção de pelo menos 5.000 novas unidades.

    O fato de que isso poderia atrair ainda mais funcionários do Google é justamente o que temem alguns moradores.

    "Nesta última eleição, tivemos uns 12 mil eleitores", explicou a ex-vereadora Jac Siegel, que deixou o cargo este ano e não tem parentesco com Leonard Siegel. "Se trouxéssemos 5.000 pessoas novas para a cidade, se todas trabalhassem para o Google e eles dissessem 'queremos que vocês votem em tal candidato', a empresa poderia virar dona da cidade."

    Tradução de CLARA ALLAIN

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