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    Por divisas, Pyongyang 'vende' trabalhadores ao exterior

    CHOE SANG-HUN
    DO "NEW YORK TIMES"
    EM SEUL, COREIA DO SUL

    28/02/2015 02h00

    Quando o carpinteiro norte-coreano Rim Il recebeu uma oferta de emprego no Kuait, em 1996, ele agarrou a oportunidade. O salário prometido era de US$ 120 por mês, uma quantia inimaginável para grande parte dos trabalhadores em seu faminto país, onde a maioria das pessoas não tem autorização nem para viajar ao exterior.

    Mas tudo deu errado. Numa noite enluarada, o ônibus que o transportava com cerca de 20 outros recém-chegados estacionou em um acampamento isolado por cercas de arame farpado, no meio do deserto. Lá, 1.800 trabalhadores enviados pela Coreia do Norte para receber salários em divisas estrangeiras, das quais o regime necessita desesperadamente, viviam sob o olhar vigilante de supervisores do governo norte-coreano, segundo Rim. Eles trabalhavam das 7h às 19h, frequentemente estendendo a jornada até a meia-noite, sete dias por semana, fazendo tarefas braçais em canteiros de obras.

    Jean Chung /The New York Times
    O norte-coreano Rim Il disse que nunca recebeu pelo trabalho que fez no Kuait, antes de pedir refúgio
    O norte-coreano Rim Il disse que nunca recebeu pelo trabalho que fez no Kuait, antes de pedir refúgio

    "Só tínhamos folgas em duas tardes de sexta-feira por mês, mas precisávamos passar esse tempo estudando livros ou assistindo a vídeos sobre a grandeza do líder de nosso país", disse Rim em uma entrevista coletiva em Seul. "Nunca recebemos nossos salários e, quando perguntávamos a respeito disso aos nossos superiores, eles diziam que deveríamos pensar nas pessoas que passam fome em nosso país e agradecer ao líder por nos dar a oportunidade de comer três refeições por dia."

    Dezenas de milhares de norte-coreanos labutam durante longas jornadas, com pouca ou nenhuma remuneração, em fábricas da China e em áreas de extração de madeira da Rússia, ou então cavando túneis militares em Myanmar, construindo monumentos para ditadores africanos, suando em canteiros de obras do Oriente Médio ou a bordo de barcos pesqueiros na costa de Fiji, segundo ex-trabalhadores e pesquisadores de direitos humanos.

    Há décadas, a Coreia do Norte é acusada de enviar trabalhadores ao exterior e confiscar a maior parte dos seus salários. Mas, segundo investigadores de direitos humanos, o programa vem sendo ampliado desde que Kim Jong-un assumiu a liderança do regime, em 2011, já que as sanções internacionais privam o país de outras fontes de moeda estrangeira.

    Um estudo feito em 2012 pelo Centro de Estratégia para a Coreia do Norte, instituição de Seul que trabalha com desertores norte-coreanos, e pelo Centro de Pesquisas Políticas da Coreia, uma instituição privada, estimou que entre 60 mil e 65 mil norte-coreanos estavam trabalhando em mais de 40 países, fornecendo US$ 150 milhões a US$ 230 milhões por ano ao regime. Esse número desde então cresceu para 100 mil trabalhadores expatriados, segundo pesquisadores.

    "A Coreia do Norte está explorando os trabalhadores para engordar os cofres de Kim Jong-un", disse Ahn Myeong-chul, da ONG sul-coreana de direitos humanos NK Watch. "Suspeitamos que Kim esteja usando parte do dinheiro para comprar bens de luxo para seus seguidores da elite e para financiar o recente boom de construção civil em Pyongyang, que ele iniciou para ostentar sua liderança." A NK Watch solicitará à ONU uma investigação sobre o que descreve como "escravidão patrocinada pelo Estado".

    Um trabalhador disse à NK Watch que recebeu apenas US$ 160 nos três anos que passou como lenhador na Sibéria, na década de 1990, trabalhando sob temperaturas próximas de 0°C em jornadas de até 21 horas por dia.

    Ele era informado de que o restante do seu salário estava sendo enviado a parentes na Coreia. Mas as famílias recebiam apenas cupons para usar em lojas estatais, onde muitas vezes não havia nada para comprar.

    Ainda assim, em comparação a muitos dos seus compatriotas, os expatriados estavam bem alimentados. "Uma vez, estávamos comendo nossas tigelas de arroz e um sujeito começou a chorar, pensando nos seus filhos famintos em casa, e todos nós choramos juntos", disse um desertor norte-coreano que trabalhou em uma área de extração de madeira na Rússia.

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