Todas as manhãs, um garçom do hotel Tides Inn desce até a praia levando uma lousa enorme com os pratos especiais do dia escritos a giz -peixe frito, camarões ao molho masala, steak au poivre e pizza. Mas ninguém vai mais ao restaurante do hotel.
Em todo o litoral queniano, as mesas estão vazias, as pistas de dança estão desertas e a poeira assenta sobre os engradados de cerveja. As praias de areia branca viraram cidades-fantasma. "Esta é a pior época pela qual já passamos", disse Dhiren Shah, o proprietário do Tides Inn.
O turismo litorâneo do Quênia está desmoronando, e as autoridades quenianas dizem que isso se deve em grande medida às recomendações de viagem emitidas por países ocidentais após uma onda de violência no verão passado num ponto remoto do litoral.
Ivan Lieman/The New York Times | ||
Alertas sobre perigo de atentados nas praias do Quênia afugentou turistas; vendedor de Bamburi |
O aviso lançado pelos EUA proibiu funcionários de sua embaixada de pôr os pés no litoral sem autorização prévia. Além disso, alertou turistas americanos sobre a possibilidade de "operações suicidas, bombas, sequestros, ataques à aviação civil e ataques a embarcações marítimas".
As autoridades quenianas estão indignadas, dizendo que o litoral está muito longe de ser uma zona de guerra e que os alertas ocidentais equivalem a "sabotagem econômica", afastando os turistas. O que é pior, dizem muitos quenianos e até mesmo alguns diplomatas, esses avisos podem virar uma profecia.
Ao contribuir para o colapso do turismo, os avisos a viajantes podem levar ao aumento do desemprego, à inatividade, ao consumo de drogas e à desesperança generalizada numa região do Quênia onde a economia já está enfraquecida.
Com legiões de jovens desempregados nas ruas de Mombaça, vários admitiram a tentação representada pelos grupos militantes. "Eles me procuraram oferecendo trabalho", recordou Fahmy Omar Nassir, ex-viciado em heroína. A heroína está se tornando outro problema sério no litoral queniano, onde hoje há dezenas de milhares de dependentes da droga.
Nassir contou que, alguns anos atrás, um grupo separatista chamado Conselho Republicano de Mombaça o recrutou e o levou a um campo secreto de treinamento. Ele passou um mês no campo, mas, depois de perceber que receberia pouco para estar ali, fugiu. "Se você me der dinheiro, eu vou te seguir", disse Nassir.
Ele revelou também que vários de seus amigos desempregados foram recrutados pelo Al Shabab, grupo terrorista somali que já matou dezenas de pessoas no Quênia.
Autoridades americanas disseram que as consequências econômicas locais não foram levadas em conta na decisão de emitir os avisos de viagem.
Mas outros países -Itália, França, Reino Unido e Suécia, por exemplo- emitiram alertas que destacam apenas alguns pontos de perigo, sem se estender a todo o litoral queniano, que tem 480 quilômetros de extensão e milhões de habitantes.
Em tempos normais, o litoral queniano oferece oportunidades de trabalho no turismo a milhares de jovens, que ocupam vagas de recepcionistas de hotéis, camareiras, cozinheiros, motoristas, mecânicos e técnicos de informática.
Porém, a percepção de que o litoral é uma zona proibida deixou a máquina de empregos inativa. Muitos hotéis estão com apenas 5% a 15% de sua capacidade ocupada, e mais de 20 mil trabalhadores do setor foram demitidos.
Embora a segurança pública no Quênia deixe a desejar há muitos anos -a polícia é corrupta e a criminalidade nas ruas é grande-, as cidades do litoral não parecem ser mais perigosas que a capital, Nairóbi, onde não há restrições de movimento impostas aos funcionários da embaixada americana, exceto num bairro somali que poucos cidadãos americanos ou europeus visitam, de qualquer maneira.
Os piores ataques terroristas ocorridos no país -o ataque à embaixada americana em 1998 e o cerco ao shopping center Westgate em 2013- aconteceram em Nairóbi. A capital também é considerada a área mais perigosa do país em termos de assaltos, roubos de carros com violência e assassinatos cometidos por gangues.
Mas muitos dizem que todos os fatores estão se alinhando para deixar o litoral, economicamente enfraquecido, mais volátil. Houve aumento no número de assaltos e arrombamentos de casas, além de alguns ataques ousados, como a um quartel militar lançado por agressores armados com facões. O litoral, com população predominantemente muçulmana, é uma região historicamente relegada ao descaso e muitas vezes vista com desconfiança e desdém pelos quenianos do resto do país.
Nas praias quenianas, não é incomum ver um bando de 10 a 15 vendedores ambulantes circulando em volta de um único turista, oferecendo passeios de barco, passeios de camelo ou peixes pescados na hora.
Numa tarde, John Kazungu foi atrás de um "mzungu", ou estrangeiro, que caminhava na praia e que rejeitou as ofertas de Kazungu. Ele se afastou, desanimado, e comentou: "Sem mzungu, não há dinheiro".
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