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    Abertura econômica pode aprofundar desigualdades em Cuba

    RANDAL C. ARCHIBOLD
    DO "NEW YORK TIMES"

    07/03/2015 02h00

    O rio onde Jonas Echevarría pesca atravessa bairros repletos de novos restaurantes finos, spas e butiques, que brotam graças à aceleração dos incentivos à iniciativa privada em Cuba.

    Os novos restaurantes servem lombo de porco, filé mignon e pato com laranja, ao passo que Echevarría tem na sua despensa apenas alguns ovos, bananas e pãezinhos.

    Em seu bairro, uma favela chamada El Fanguito ("pequeno pântano"), que fica à margem do rio Almendares, poucas pessoas têm parentes que enviam dinheiro do exterior. As rações alimentares mal dão até o final do mês e casas feitas de chapas, restos de madeira e cimento esfarelado são incapazes de conter a água das enchentes.

    No momento em que Cuba se abre mais à iniciativa privada, o fosso entre ricos e pobres e entre brancos e negros -algo que a Revolução se propunha a reduzir- é cada vez mais evidente.

    Essa disparidade deve crescer, já que os Estados Unidos decidiram aumentar de US$ 2.000 para US$ 8.000 a quantia que os americanos podem enviar anualmente à ilha, numa medida que faz parte do degelo entre os dois países.

    As remessas, estimadas em US$ 1 bilhão a US$ 3 bilhões por ano, já são uma importante fonte de capital por trás dos novos empreendimentos cubanos.

    Mas os economistas locais dizem que os brancos têm 2,5 vezes mais chances de receberem remessas do que os negros, o que deixa bairros como o El Fanguito numa situação de quase invisibilidade na atual onda de expansão comercial.

    A duplicidade da moeda em Cuba impõe outra desvantagem à população. Uma das moedas, conhecida como o peso conversível e utilizada para o turismo e o comércio exterior, está atrelada ao dólar. Mas a maioria dos cubanos recebe salários em pesos locais, que valem bem menos. Inúmeros bens de consumo e outros produtos importados são pagos em pesos conversíveis, mantendo esses confortos fora do alcance de muita gente.

    O governo cubano afirma que a guinada em prol da iniciativa privada permitirá dar maior ênfase aos programas sociais para os mais necessitados. Mas muitos cubanos mais pobres estão frustrados com o que veem como uma deterioração do Estado de bem-estar.

    Muitos entrevistados mencionaram o fato de a educação e a saúde serem grátis, mas disseram que esses serviços já foram melhores. Um morador mencionou um programa que oferece geladeiras por cerca de US$ 300. Mas o financiamento pode se estender por vários anos, "mais do que a geladeira dura", segundo ele.

    No restaurante Starbien, um dos mais populares de Havana, o proprietário, José Raúl Colomé, disse que não é incomum que a maioria da clientela seja composta por cubanos que vivem na ilha,.

    "Alguns são artistas que estão se saindo bem ou empresários que tiveram sorte", disse Colomé.

    "Muitos são turistas, naturalmente, mas estamos recebendo mais cubanos."

    Em bairros como El Fanguito, muitos dizem se sentir estrangeiros na sua própria cidade, observando uma economia emergente da qual são incapazes de participar.

    Residentes dessa favela observaram que há uma predominância de cubanos brancos nos novos empreendimentos. "Olho para esses novos lugares e não vejo ninguém como eu", disse Marylyn Ramírez, que trabalha num hotel turístico no bairro do Vedado.

    A reportagem perguntou se Ramírez recebia remessas do exterior. Ela fez um gesto com a mão mostrando a sua acanhada sala de estar, que é frequentemente inundada. "Se eu recebesse" disse ela, "você acha que eu viveria aqui?".

    Eugenio Azcaly, 61, cozinheiro em um restaurante estatal, diz ter as habilidades necessárias para abrir ou gerenciar um "paladar" (restaurante privado), mas se queixa de não ter capital para isso nem qualquer tipo de ajuda de parentes no exterior. Ele se pergunta como será sua aposentadoria.

    "Vou precisar continuar trabalhando, só não sei onde", afirmou. Tocando a própria pele, ele acrescentou: "Não sei se as novas empresas me aceitariam."

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