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    Cruzada anticorrupção alimenta a popularidade de dirigente chinês

    MARCELO NINIO
    DE PEQUIM

    15/03/2015 02h00

    Era a abertura do Congresso Nacional do Povo, principal evento do calendário político chinês, há dez dias.

    Diante dos quase 3.000 deputados do maior Parlamento do mundo, a banda tocou o hino antes do discurso do primeiro-ministro, Li Keqiang, num meticuloso ritual.

    A sessão acabou sem o líder máximo do país emitir uma palavra. Nem precisava.

    No meio do pódio, com o enigmático sorriso que é sua marca, Xi Jinping era a imagem do imenso poder pessoal acumulado em pouco mais de dois anos, desde que foi nomeado secretário-geral do Partido Comunista.

    Temido e admirado, Xi Jinping, 61, tem sido considerado o líder chinês mais forte desde Deng Xiaoping (1904-1997), o pai da abertura econômica, iniciada em 1978.

    Mas o avanço fulminante de Xi também lhe rendeu muitos desafetos, sobretudo com sua ampla campanha anticorrupção, que para alguns especialistas aprofundou as rachaduras na estrutura de poder comunista.

    PODER ACUMULADO

    O poder acumulado em tão pouco tempo impressiona. Xi rejeitou a tradição de liderança coletiva e assumiu o comando dos poderes civil, econômico e militar.

    Para isso, criou novas instituições e estendeu sua autoridade a outras áreas, da internet à reforma do futebol, uma de suas paixões.

    Quando chegou ao topo, em novembro de 2012, havia a expectativa entre intelectuais liberais de que ele poderia promover uma abertura no sistema de partido único. O que veio foi o oposto: aumento da repressão a críticos do regime, do controle na internet e da censura. A reforma enfatizada pelo governo é a da economia, que vive desaceleração controlada.

    O plano de "rejuvenescimento da China", um dos slogans da era Xi, tem três fundamentos, diz Elizabeth Economy, do "Council on Foreign Relations". "Consolidar o poder pessoal com novas instituições, silenciar a oposição política e legitimar sua liderança e o poder do PC aos olhos da população", escreveu na "Foreign Affairs".

    A estratégia parece estar dando certo, ao menos em termos de aprovação das ruas. A campanha anticorrupção, que já puniu mais de 100 mil funcionários e chegou ao alto comando do Exército, deu-lhe enorme popularidade principalmente nas classes populares.

    A imagem de "homem do povo" criou a sensação de um líder mais humano do que a tradição milenar do imperador inacessível. De quebra, ele conta com o brilho de uma primeira-dama que virou modelo de elegância, a ex-cantora Peng Liyuan.

    "Xi é honesto e transparente. Representa o sonho chinês", diz o engenheiro aposentado Jia Ruiqiu, 71, repetindo um dos slogans do governo. "Ele nos dá confiança no futuro da China."

    A desaceleração da economia não preocupa a maioria.

    Primeiro, porque acredita no discurso do governo de que é melhor crescer menos, mas combatendo o legado maldito do milagre econômico, principalmente os danos ambientais. Segundo, porque a renda média continua aumentando mais que o PIB.

    Li Xueren - 13.mar.2015/Xinhua
    O secretário-geral do PC chinês, Xi Jinping, ao centro, em sessão do Congresso Nacional do Povo
    O secretário-geral do PC chinês, Xi Jinping, ao centro, em sessão do Congresso Nacional do Povo

    INSATISFEITOS

    Os focos de insatisfação estão nas classes mais altas e entre os quadros do partido que perderam privilégios.

    O terror da luta anticorrupção paralisou vários setores.

    Uma pesquisadora contou à Folha que está de braços cruzados pois o diretor do hospital onde trabalha não quer aprovar novos orçamentos para não atrair o olhar dos investigadores para subornos praticados.

    E muitos não escondem seu ceticismo, como o estudante de jornalismo Guo, 24. Apesar de julgar necessária a luta contra a corrupção, ele vê a campanha como ato de autopreservação do regime.

    "Primeiro, Xi quer fortalecer seu poder. Depois, salvar o partido do abismo da corrupção e manter a sua posição no governo", diz.

    A solidez do regime foi posta em questão em artigo de um dos maiores especialistas em China dos EUA, David Shambaugh, da Universidade George Washington.

    Para ele, o fim do regime já começou. Entre os fatores que poderão levar à queda está a cruzada anticorrupção, que, para Shambaugh, se tornou um expurgo político. Ao perseguir políticos de facções poderosas, como o ex-líder Jiang Zemin, que aos 88 anos ainda tem influência política, Xi se torna vulnerável a um contragolpe, diz o especialista.

    "É improvável que a queda do regime na China seja pacífica" escreveu Shambaugh no "Wall Street Journal". "Seu fim deverá ser prolongado, confuso e violento."

    O artigo provocou furiosas reações da imprensa oficial.

    A surpresa foi maior por se tratar de um acadêmico queridinho do establishment chinês, convidado frequente para conferências no país.

    A opinião é de que ele aderiu à agenda do Ocidente.

    "O Ocidente jamais achou que a China pode ter uma transição democrática pacífica. Seu objetivo é simplesmente o colapso da China, e nunca o bem-estar dos chineses", atacou o jornal "Global Times".

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