• Mundo

    Monday, 29-Apr-2024 05:26:11 -03

    Após Ucrânia, países do Báltico sentem pressão da Rússia de Putin

    LEDA BALBINO
    ENVIADA ESPECIAL A TALLINN (ESTÔNIA)

    16/03/2015 02h00

    No centro histórico de Tallinn, matrioskas do presidente russo, Vladimir Putin, e dos líderes soviéticos Lenin e Stalin estão à venda em lojas de suvenires da população russa local.

    Ao ver o interesse dos turistas em comprar a recordação, uma guia diz com um sorriso constrangido: "Não digam que compraram na Estônia".

    Leda Balbino/Folhapress
    Matrioskas de Putin e de líderes soviéticas são encontradas à venda em loja de suvenires em Tallinn
    Matrioskas de Putin e de líderes soviéticas são encontradas à venda em loja de suvenires em Tallinn

    O apelo mostra como a presença de símbolos russos e soviéticos incomoda os estonianos, principalmente enquanto os eventos na Ucrânia —a anexação da Crimeia, em 2014, e o conflito no leste entre tropas de Kiev e separatistas pró-Moscou— provam o apetite nostálgico de Putin por um império.

    Diante do aumento da atividade militar russa no mar Báltico, cerca de 3.000 soldados dos EUA devem iniciar nesta semana exercícios militares com tropas da Estônia, da Letônia e da Lituânia.

    Prevista para durar três meses, a operação "Atlantic Resolve" (resolução atlântica) é uma indicação de apoio aos aliados dessa área do leste europeu, que aderiram à União Europeia (UE) e à Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) em 2004, 13 anos depois de terem se tornado independentes da União Soviética, em 1991.

    Na Estônia, a entrada na UE e, principalmente, na Otan é vista por muitos como uma garantia contra o pior. "Temos de ser muito gratos a ambas adesões, porque neste momento seria muito difícil viver sem a Aliança", diz o especialista em comunicação Raul Rebane.

    Editoria de arte/Folhapress

    O sociólogo Juhan Kivirähk, da companhia de pesquisas Turu-uuringute AS, tem opinião semelhante. "Uma ação russa na Estônia ou na Letônia não será isolada, mas um conflito com a Otan", disse, em referência ao Artigo 5 do tratado da organização ocidental.

    Há, porém, os que veem com ceticismo a capacidade da Aliança de proteger o Báltico em uma eventual invasão. "As decisões da Otan têm de ser tomadas por consenso", lembra a professora Tiiu Pohl, especialista em relações internacionais na UE e chefe do Instituto de Ciência Política e Governança da Universidade de Tallinn.

    Além disso, como o Artigo 5 só determina que os 28 membros "adotem as ações que avaliem como necessárias, incluindo o uso de força armada", uma retaliação não é obrigatória.

    INFLUÊNCIA

    Apesar do aumento da tensão militar, uma pesquisa da Turu-uuringute AS indica que somente 26% da população teme um conflito. Para 65%, a maior preocupação é o aumento da interferência estrangeira no país.

    A arma à disposição do Kremlin seriam os 24,8% de russos entre o 1,3 milhão de habitantes da Estônia, comunidade que se concentra na fronteira leste com a Rússia, em cidades como Narva (quase 88% de russos), e na região da capital. Em Lasnamäe, na grande Tallinn, 58% da população é russa.

    Leda Balbino/Folhapress
    Lasnamäe, na região de Tallinn (capital da Estônia), tem 58% de sua população de origem russa
    Lasnamäe, na região de Tallinn (capital da Estônia), tem 58% de sua população de origem russa

    Logo após a independência da Estônia, conta Kivirähk, houve uma busca ativa dos russos pela cidadania. O processo, porém, se desacelerou no fim dos anos 90, quando a Rússia começou a dar cidadania à sua população no exterior. "Para o Kremlin, os expatriados são um instrumento de política externa", diz o sociólogo.

    Para mantê-los sob sua influência, Moscou apoia o oposicionista Partido do Centro e outras organizações e, principalmente, usa um arsenal de ao menos 150 canais de TV a cabo.

    Por isso, a Estônia foca atualmente sua defesa no combate à propaganda russa com cursos em nível estatal contra a guerra da informação e com programas televisivos denunciando as táticas russas, relata Rebane. Além disso, o governo planeja lançar até janeiro de 2016 um canal próprio em língua russa.

    O país também tenta acelerar medidas de integração. Desde 2011, estabeleceu que 60% do currículo das escolas russas seja ensinado em estoniano. Além disso, foram amenizadas as regras para que pessoas com mais de 65 anos consigam obter a cidadania. "Sem conflito entre as etnias, é impossível para a Rússia fazer algo", diz Kivirähk.

    Apesar das medidas, a sombra de Moscou paira no país. A ex-ministra de Questões Étnicas Katrin Saks, atual diretora da Escola de Filme e Mídia do Báltico na Universidade de Tallinn, lembra que até hoje, 24 anos depois do colapso da URSS, um tratado de fronteiras ainda não foi ratificado entre e a Rússia e a Estônia. "É uma forma simbólica de dizer que, para os russos, ainda somos deles."

    A jornalista LEDA BALBINO viajou a convite do Ministério de Relações Exteriores da Estônia.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024