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    Análise: Premiê de Israel quer pôr causa palestina em segundo plano

    HUSSEIN KALOUT
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    20/03/2015 07h26

    Os reflexos do discurso de Binyamin Netanyahu ao Congresso americano, no início do mês, mostram que ele buscava vencer as eleições em Israel a qualquer custo. Mesmo que isso arruinasse as relações com Washington.

    O cálculo de Netanyahu consiste em recolocar o Irã no epicentro da discussão israelense, para extrair vantagem política. Concretamente, um ataque israelense às instalações nucleares do Irã seria de baixa eficácia e elevado custo político e militar.

    Lucas Jackson - 27.set.2012/Reuters
    Netanyahu mostra cartaz em que mostra os avanços nucleares do Irã, em 2012
    Netanyahu mostra cartaz em que mostra os avanços nucleares do Irã, em 2012

    A mais mítica das hipóteses consiste em como a Arábia Saudita poderia ajudar Israel a bombardear o Irã.

    Apesar de haver interesses simétricos na contenção do programa nuclear iraniano, a monarquia saudita tem bem calculado o risco e as consequências se liberar seu espaço aéreo para livre navegação da força aérea israelense.

    De largada, os sauditas minariam seu prestígio no mundo muçulmano e colocariam sua liderança sub judice.

    O reino saudita está em desvantagem no xadrez regional, e as peças iranianas são mais fortes, atualmente.

    À disposição de Teerã há um vasto cardápio de medidas retaliatórias. As primeiras consequências poderiam ser intervenções mais incisivas no Bahrein e no Iêmen.

    Uma segunda retaliação viria em forma de bloqueio a navegação de cargueiros sauditas no estreito de Hormuz.

    Ademais, no espectro macropolítico, os reflexos de uma eventual decisão saudita de cooperar militarmente com Israel contra a maior nação do mundo muçulmano xiita colocará em risco o ascendente consenso de divisão de poder em países de elevada sensibilidade sectária, como Iraque e Líbano.

    Como derradeira cartada, os iranianos têm ainda ao seu alcance a possibilidade de armar a marginalizada população xiita na província oriental do reino saudita, provocando uma rebelião armada.

    Contra Israel, os iranianos tem à sua disposição mísseis balísticos e uma força aérea que poderá navegar pelo espaço aéreo iraquiano e sírio.

    Na diplomacia, Washington trabalha com cenário de pragmatismo e calibrado espaço de manobra para alcançar um acordo equilibrado.

    Os americanos não querem ser sugados para uma guerra com o Irã movidos pelo descontentamento de sauditas ou pelos erros políticos de Netanyahu que isolaram Israel internacionalmente.

    Uma guerra, além de danificar os interesses americanos na região, atrairia, incondicionalmente, a Rússia ao conflito. E, não menos, despertaria a fúria da China.

    Não se pode omitir, contudo, a sinergia entre os objetivos saudita e israelense. Ambos querem melar o acordo nuclear e manter os iranianos isolados e sob duras sanções.

    Dessa equação, a expectativa de Netanyahu é transformar o Irã no principal inimigo do mundo árabe em vez de Israel, e converter a causa palestina em tema secundário na agenda regional.

    Por ora, Tel Aviv e Riad não conseguiram alinhar suas táticas. Enquanto isso, em Teerã, ninguém leva as ameaças israelenses a sério.

    HUSSEIN KALOUT é cientista político brasileiro e pesquisador da Universidade Harvard

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