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    Acordo nuclear pode transformar os legados dos líderes dos EUA e do Irã

    SIMON TISDALL
    DO "GUARDIAN"

    23/03/2015 10h48

    A saga prolongada do impasse entre o Irã e o Ocidente se converteu num conto de dois presidentes. Está claro que Barack Obama está torcendo por um resultado positivo em Lausanne na próxima semana, quando os negociadores farão uma tentativa final de alcançar um acordo abrangente sobre o suspeito programa nuclear iraniano.

    As tentativas de adversários internos e no exterior de frustrar seus esforços só parecem ter intensificado a determinação do presidente. Obama não quer apenas um acordo nuclear. Ele quer uma aproximação com o Irã, lançando uma ponte sobre o abismo entre os dois países que começou após a revolução islâmica de 1979 e a subsequente tomada de reféns na embaixada dos EUA em Teerã, que praticamente destruiu a Presidência de Jimmy Carter. Se isso se realizar, a conquista de Obama pode ultrapassar de longe a reaproximação recente com Cuba, que pôs fim a um período de gelo ainda mais longo.

    Ebrahim Noroozi/AP; Pete Marovich/Efe
    Os presidentes Hasan Rowhani (E), do Irã e Barack Obama, dos EUA; eles buscam acordo nuclear
    Os presidentes Hasan Rowhani (E), do Irã, e Barack Obama, dos EUA; eles buscam acordo nuclear

    Embora a ideia seja publicamente minimizada por motivos pragmáticos, Obama pressente uma oportunidade estratégica rara –uma espécie de grande barganha– que poderia acabar por transformar a sorte dos EUA e do Ocidente e aumentar a influência dos EUA no Oriente Médio, após mais de uma década de desastres e revezes de política externa em Iraque, Síria, Palestina, Egito e Líbia.

    Segundo essa visão da Casa Branca, a cooperação mutuamente benéfica com relação a desafios comuns, como a disseminação do extremismo sunita, a ascensão do terrorismo do Estado Islâmico e a guerra civil síria, seria uma progressão natural após um acordo nuclear. Com isso em mente, Obama já esteve em contato direto com a liderança iraniana.

    Um acordo histórico com o Irã seria o elemento central naquele que Obama espera que seja um legado presidencial impressionante, no momento em que se aproxima o final de seu segundo e último mandato. Críticos dizem que ele precisa disso, pois ele não tem muito mais o que ostentar depois de quase oito anos no comando.

    O discurso televisionado que Obama fez na semana passada para marcar o Ano Novo iraniano foi voltado especificamente ao público iraniano e incluiu saudações em farsi. Sua ambição estava evidente, e sua aparência e seu modo de falar, embora levemente contraídos, pareceram sinceros.

    "Minha mensagem a vocês, o povo do Irã, é que, juntos, precisamos nos manifestar em favor do futuro que buscamos. Este ano temos a melhor oportunidade em décadas de buscar um futuro diferente entre nossos países", disse Obama.

    "Os próximos dias e semanas serão cruciais. Nossas negociações fizeram avanços, mas ainda restam brechas abertas. E há pessoas em nossos dois países e fora deles que se opõem a uma resolução diplomática."

    Demonstrando como será difícil construir confiança, esta última frase, aparentemente inócua, foi criticada pelo líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, sempre cético e antiocidental. Ninguém no Irã é contra uma solução diplomática, ele afirmou no sábado (21). As pessoas são contra são as imposições americanas.

    Apontando para divergências em Washington sobre os termos de um acordo, Khamenei disse que a mensagem de Obama no Ano Novo iraniano incluiu "afirmações desonestas. (...) Sua alegação de amizade pelo povo iraniano não foi sincera."

    Khamenei sugeriu que não se deve acreditar nas promessas de Obama de suspender sanções. Os setores de linha-dura que se opõem à distensão, por motivos ideológicos e de segurança, são um problema compartilhado pelos dois presidentes. O ceticismo de Khamenei e os argumentos dos "rejeicionistas" foram reforçados, por exemplo, pela carta não autorizada enviada recentemente por 47 senadores republicanos americanos à liderança de Teerã. Os senadores avisaram que tentarão exercer um veto "de facto" contra qualquer acordo que Obama possa vir a firmar.

    Deixando Khamenei de lado, Rowhani sofre pressão constante de fundamentalistas xiitas poderosos, conservadores políticos e seus aliados na mídia, que representam interesses clericais, militares e mercantis. Esses grupos acusam o presidente, implicitamente ou não, de se vender ao Ocidente. Eles deploram a postura política centrista e reformista de Rowhani, que veem como sendo perigosamente radical, embora na realidade Rowhani, como Obama, seja uma figura totalmente integrada ao establishment. E, embora Obama esteja a caminho da saída, os adversários de Rowhani farão tudo o que puderem para impedir o presidente iraniano de conquistar um segundo mandato em 2017, caso ele tente se reeleger.

    Entre essas forças hostis se destacam a Guarda Revolucionária e sua força de elite al-Quds, liderada pelo cada vez mais influente general Qassem Suleimani. O general é tido em alta conta no Irã por promover os interesses do país no Líbano e no Iraque, onde recentemente vem coordenando a batalha contra o EI em volta de Tikrit. Aventa-se a possibilidade de Suleimani candidatar-se à Presidência, como porta-voz dos conservadores.

    Ironicamente, figuras de destaque no Irã, como Khamenei, Suleimani e o clérigo veterano e líder das orações da sexta-feira aiatolá Ahmad Jannati, agora se veem numa aliança "de facto" com neoconservadores americanos e com o primeiro-ministro direitista de Israel, Binyamin Netanyahu, que este mês conspirou publicamente com os adversários republicanos de Obama para desacreditar um "acordo podre".

    Do mesmo modo, tanto Obama quanto Rowhani estão sendo criticados pela Arábia Saudita e as monarquias conservadoras do Golfo: Rowhani porque, por razões históricas, Riad se opõe a qualquer coisa que atenda aos interesses persas, e Obama porque os sauditas acham que ele é ingênuo e que o Irã desrespeitaria qualquer acordo que firmasse, desencadeando uma corrida armamentista nuclear no Oriente Médio.

    Acima de tudo, porém, os conservadores iranianos têm medo de Rowhani porque o êxito em Lausanne na próxima semana pode potencialmente romper o estrangulamento imposto pelas sanções às exportações de petróleo, os serviços financeiros e os investimentos externos no Irã. O Irã o nega oficialmente, mas entrevistas feitas pelo "Guardian" em Teerã no ano passado revelaram que as sanções estão prejudicando gravemente os cidadãos comuns.

    Um acordo que melhorasse a sorte econômica dos iranianos comuns, restaurando os laços comerciais normais e progressivamente abrindo o país ao contato e intercâmbios maiores com a Europa e os EUA, seria uma vitória para o presidente iraniano. Um acordo poderia transformar a Presidência até agora sem brilho de Rowhani, conferindo-lhe importância histórica. Poderia fazer o mesmo por Obama. E ambos têm consciência disso.

    Tradução de CLARA ALLAIN

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