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    Ativista morreu em protesto por ser 'magra demais', dizem legistas egípcios

    DAVID D. KIRKPATRICK
    DO "NEW YORK TIMES", NO CAIRO

    23/03/2015 11h44

    Uma poeta e ativista atingida por um disparo de uma espingarda de chumbinho da polícia egípcia durante uma marcha para depositar coroas de flores na praça Tahrir, no Cairo, morreu porque era magra demais, disse o porta-voz do serviço médico legal do país na noite de sábado (21).

    A poeta e ativista Shaimaa el-Sabbagh foi morta em 24 de janeiro, um dia antes do aniversário do levante egípcio da Primavera Árabe, em 2011. Antes que os ativistas chegassem à praça Tahrir, policiais de choque os atacaram com granadas de gás lacrimogêneo e disparos de espingardas de chumbinho, a curta distância, diante de fotógrafos e câmeras de TV. As perturbadoras imagens da morte de Sabbagh, nos braços de outro manifestante, fizeram dela um símbolo da epidemia de abuso de força por parte da polícia.

    24.jan.2015/Efe
    Shaimaa el-Sabbagh é socorrida por ativista após ser atingida por chumbinhos da polícia em protesto
    Shaimaa el-Sabbagh é socorrida por ativista após ser atingida por chumbinhos da polícia em protesto

    No sábado, porém, o porta-voz do serviço médico legal egípcio declarou em entrevista na televisão que Sabbagh, 31, não teria morrido se não fosse tão magra.

    "De acordo com a ciência, Shaimaa el-Sabbagh não deveria ter morrido", disse Hisham Abdel Hamid, o porta-voz, definindo o que aconteceu como "um caso muito raro".

    "O corpo dela era só pele e osso, como se diz", ele afirmou. "Ela era magra demais. Não tinha qualquer porcentagem de gordura. Por isso, os chumbinhos penetraram com muita facilidade, e quatro ou cinco de todos os chumbinhos que penetraram seu corpo (...) penetraram seu coração e pulmões, e foram eles que causaram sua morte".

    Uma pessoa mais roliça teria sobrevivido com ferimentos pequenos, argumentou Abdel Hamid, apontando que um homem que estava ao lado de Sabbagh havia sido atingido no pescoço mas mesmo assim sobreviveu.

    "Sob a pele, ele tinha camadas de gordura e não sei o que mais que eram um pouco espessas, e por isso ele não foi penetrado", disse Abdel Hamid. "Mas era a hora dela, assim quis o Senhor".

    O porta-voz disse que a maioria dos chumbinhos estava concentrada em uma área de 50 centímetros de largura nas costas de Sabbagh, mas que dois projéteis haviam atingido o lado esquerdo de seu rosto. O disparo parece ter sido realizado de uma distância de cerca de oito metros, ele disse.

    Grupos de defesa dos direitos humanos receberam com sarcasmo a menção ao peso de Sabbagh. "Esse tipo de alegação ridícula só acrescenta uma camada espessa de absurdo ao interminável histórico de mortes impunes causadas pelo governo", disse Sarah Leah Whitson, da Human Rights Watch.

    As imagens da morte de Sabbagh causaram tanta impressão que o presidente egípcio Abdel-Fattah el-Sissi ordenou uma investigação. Promotores públicos informaram recentemente que haviam encaminhado um policial não identificado a julgamento por acusação de espancamento que resultou em morte - uma forma de homicídio culposo.

    Os promotores também informaram que os participantes da marcha em que Sabbagh morreu seriam acusados por terem tomado parte de uma marcha não autorizada, nos termos das severas restrições a protestos de rua aprovadas depois da tomada do poder pelos militares egípcios em 2013. Os dois crimes podem resultar em pena semelhante, de alguns anos de prisão.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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