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    Assessores de Hillary Clinton também usaram e-mails pessoais

    MICHAEL S. SCHMIDT
    DO "NEW YORK TIMES", EM WASHINGTON

    23/03/2015 18h54

    Foi uma audiência cansativa. Um mês depois do ataque às instalações diplomáticas dos Estados Unidos em Benghazi (Líbia), em setembro de 2012, os republicanos da Câmara dos Deputados interrogaram severamente um alto funcionário do Departamento de Estado sobre lapsos na segurança do posto.

    Mais tarde, naquele mesmo dia, a secretária de Estado, Hillary Clinton, enviou um e-mail a um de seus assessores mais próximos. "Sobrevivemos ao dia?", ela escreveu.

    "Sobrevivemos sim", o assessor respondeu, acrescentando que continuaria a acompanhar as reações na manhã seguinte.

    Os cerca de 300 e-mails de uma conta pessoal de Hillary que foram entregues no mês passado a um comitê da Câmara dos Deputados que investiga o ataque mostram que a secretária e seus assessores monitoraram de perto as consequências da tragédia, que ameaçavam causar danos à imagem de Hillary e denegrir o Departamento de Estado.

    As mensagem não oferecem provas de que Hillary, como alegam os mais incendiários dos ataques republicanos, tenha sugerido uma "ordem de desativação" para as forças norte-americanas que estavam respondendo às informações sobre o ataque de Benghazi, ou que tenha tomado parte de um amplo acobertamento sobre a resposta do governo à crise, de acordo com importantes funcionários do governo norte-americano.

    Mas mostram que os principais assessores de Hillary ocasionalmente se correspondiam com ela sobre assuntos do departamento usando contas pessoais de e-mail, o que desperta questões sobre recentes afirmações da ex-secretária de que sua prática era se comunicar com os assessores por meio de seus endereços oficiais para que as mensagens fossem arquivadas, em acordo com os regulamentos federais quanto à preservação de documentos.

    Os e-mails não foram divulgados ao público e o jornal "The New York Times" não foi autorizado a lê-los. Mas quatro importantes funcionários do governo ofereceram descrições quanto a algumas das mensagens mais importantes, sob a condição de que seus nomes não fossem revelados, porque desejam preservar seu acesso a informações secretas.

    Um porta-voz de Hillary disse que ela e seus assessores haviam usado apropriadamente as contas de e-mail, enquanto um porta-voz do comitê de investigação da Câmara, controlado pelos republicanos, se recusou a comentar.

    A correspondência oferece um vislumbre das comunicações da secretária de Estado - e de sua personalidade resguardada no uso das comunicações via e-mail -, e inclui mensagens trocadas nos dias sombrios logo após o ataque. Hillary usava exclusivamente uma conta privada de e-mail hospedada em um servidor instalado em sua casa em Chappaqua, Nova York, nos anos em que serviu como secretária de Estado, e o sistema manteve muitas de suas mensagens em segredo.

    Um aspecto importante é que, apesar da gritaria sobre os e-mails, Hillary não é uma correspondente prolixa.

    Ocasionalmente ela enviava ao seu assessor de política externa, Jake Sullivan, um de seus colaboradores mais respeitados, um e-mail contendo um artigo noticioso, com uma instrução simples: "Favor imprimir". (Hillary, ainda que se tenha tornado usuária regular do Twitter e de outras formas de tecnologia moderna, parece gostar de ler reportagens em papel)

    Também havia mensagens mais corriqueiras, semelhantes às que lotam as caixas de correspondência de muitos funcionários do governo: agenda, logística, até um alerta sobre a publicação de um artigo no site Politico, encaminhado à secretária de Hillary por um dos principais assessores dela no departamento.

    Os e-mails mostram a reação de Hillary e de seus assessores mais próximos à medida que interpretação do governo sobre o que aconteceu em Benghazi mudava, e as mensagens iluminam em alguma medida um momento crucial posterior ao ataque, envolvendo Susan Rice, então embaixadora dos Estados Unidos nas Nações Unidas.

    Em 16 de setembro, cinco dias depois do ataque, Rice foi entrevistada em diversos programas noticiosos, entre os quais "This Week", da rede ABC, para explicar o ponto de vista do governo sobre o ataque.

    Alguns conservadores sugeriram que Rice assumiu o papel de porta-voz do governo nos primeiros dias após o ataque para livrar Hillary de controvérsias. (Rice disse que Hillary optou por não aparecer porque estava cansada, ao final de uma semana fatigante)

    Os e-mails não decidem a questão, segundo os funcionários do governo. Mas sugerem que Clinton e seus assessores se sentiram aliviados por ela não ter ido tão longe quanto Rice em sua descrição dos ataques.

    No dia em que Rice apareceu nos programas, Sullivan, vice-chefe de gabinete de Hillary e um de seus assessores de maior confiança, encaminhou por e-mail a ela uma transcrição das declarações de Rice em "This Week". A mensagem de Sullivan era curta, mas ele parecia satisfeito com o resultado da entrevista.

    Rice descreveu o ataque no programa como uma erupção espontânea de violência, deflagrada por um vídeo antimuçulmano.

    "Ela deixou clara nossa posição de que a situação começou espontaneamente e evoluiu", escreveu Sullivan a Clinton.

    Mas, nos dias que se seguiram, a posição do governo sobre o que havia ocorrido se tornou mais complicada.

    Em meio a intensas críticas dos republicanos, que acusavam a Casa Branca de tentar minimizar a importância do ataque em um ano eleitoral, funcionários do governo começaram a descrever o incidente como "ataque terrorista".

    A descrição inicial de Rice, que definia o ataque como espontâneo, passou a sofrer intenso escrutínio.

    Duas semanas depois do primeiro e-mail de avaliação sobre a participação de Rice nos programas, Sullivan enviou a Hillary um e-mail bem diferente.

    Na nova mensagem, ele parecia estar reassegurando à secretária de Estado de que esta havia evitado os problemas que Rice estava enfrentando.

    Ele disse a Clinton ter revisado os pronunciamentos públicos desta desde o ataque, e que ela havia evitado as formas de expressão que causaram problemas a Rice.

    "Você não usou o termo 'espontâneo' nem caracterizou as motivações dos atacantes", escreveu Sullivan.

    Os 300 e-mails são uma pequena fração do material entregue por Hillary ao Departamento de Estado.

    O escrutínio quanto à sua forma de uso do e-mail representa o primeiro teste para a campanha presidencial que Hillary aparentemente está por anunciar.

    Na época em que ela foi secretária de Estado, os regulamentos federais dispunham que as agências que permitiam o uso de endereços particulares de e-mail por seus funcionários deviam "garantir que os documentos federais enviados ou recebidos por meio desses endereços sejam preservados no sistema de documentação da agência".

    Nick Merrill, porta-voz de Hillary, defendeu o uso de e-mails privados pelos assessores dela afirmando que "a prática deles era usar primariamente seus e-mails de trabalho para tratar de assuntos de Estado, com apenas uma minúscula fração do mais de um milhão de e-mails enviados ou recebidos envolvendo o uso de contas pessoais".

    Há quem não esteja satisfeito com a explicação ou com os registros fornecidos por Hillary.

    O deputado Trey Gowdy, republicano da Carolina do Sul e presidente do comitê seleto da Câmara que está investigando o ataque de Benghazi, disse suspeitar que Hillary não tivesse entregue todos os e-mails relacionados a Benghazi, e solicitou que ela entregue seus arquivos de e-mail a uma parte neutra a fim de que todas as mensagens, entre as quais aquelas que tenham sido apagadas, possam ser examinadas, para determinar se outras comunicações devem ser fornecidas ao Congresso.

    O comitê de Gowdy também deve pressionar Hillary sobre o uso ocasional de contas pessoais de e-mail por seus assessores ao se comunicarem com ela. Pelo menos quatro dos assessores mais próximos de Hillary no Departamento de Estado o faziam, entre os quais sua chefe de gabinete, Cheryl Mills; seu assessor chefe, Philippe Reines; sua assistente pessoal, Huma Abedin; e Sullivan.

    O deputado Elijah Cummings, democrata de Maryland e o líder da representação de seu partido no comitê, declarou em comunicado que "em lugar de permitir o vazamento dos e-mails aos poucos, o que pode permitir que sejam descaracterizados", Gowdy, o presidente do comitê, "deveria divulgá-los todos -como pediu a secretária Clinton- para que o povo norte-americano possa lê-los sem intermediários".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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