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    'Ninguém tira a liberdade, nem na porrada', diz membro da banda russa Pussy Riot

    RONALDO RIBEIRO
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DA FILADÉLFIA

    29/03/2015 02h00

    As fundadoras da banda punk russa Pussy Riot Nadezhda "Nadya" Tolokonnikova, 25, e Maria "Masha" Alyokhina, 26, não acreditam nos números da popularidade de seu principal inimigo –o presidente Vladimir Putin, que segundo elas asfixiou a divergência política no país.

    Célebres após gravar um vídeo contra Putin numa catedral de Moscou, que resultou em condenação por "hooliganismo", Nadya e Masha afirmam que os dois anos de prisão não lhes tiraram a liberdade e se dizem preocupadas com a profissionalização da política na Europa e nos EUA.

    Impopulares na terra natal –segundo pesquisa recente, só 6% da população tem simpatia pelo grupo–, elas apareceram num episódio da série "House of Cards", o que colaborou para elevá-las a status de celebridade nos EUA.

    A Folha falou com Nadya, mais tímida, e Masha, mais brincalhona, após a exibição do seu novo vídeo, "I Can't Breathe" [não consigo respirar], e um debate na Universidade da Pensilvânia. O marido de Nadya, Pyotr Verzilov, também participante do grupo performático Voina, serviu de tradutor.

    *

    Folha - Como foi o tratamento na prisão depois da performance na catedral? Alguma lição tirada desse período?

    Maria Alyokhina - Fomos forçadas a trabalhar mais de dez horas por dia, algumas vezes 16 horas, e podíamos dormir só três ou quatro.

    Tiraram parte da nossa dignidade, mas não da nossa liberdade, que sempre conservamos em nossos pensamentos e nas mínimas ações. Ninguém tira a liberdade de ninguém, nem na porrada.

    O Pussy Riot usa música e performances para tratar de temas políticos. Qual a plataforma política de vocês?

    Alyokhina - No momento, forte oposição ao conservadorismo de Putin. Voz para aqueles que não a têm, para todos que não compactuam com o conservadorismo dele.

    E depois de Putin, se é que já pensam nisso?

    Alyokhina - O povo russo está parcialmente com Putin, mas não creio nos números que falam em aprovação de 80%. Isso é propaganda. Já pude conversar com muitas pessoas ditas conservadoras, e elas não estão felizes.

    Muitos não têm informação suficiente para julgar de forma mais objetiva o que Putin tem feito. Por isso criamos uma ONG –para informar, defender os direitos de ativistas presos e evitar abusos nas prisões russas.
    Depois de Putin? Oposição a qualquer forma de poder ilegítima, sempre. O poder deve sempre se justificar e demonstrar que é necessário.

    Vocês lançaram o vídeo "I Can't Breathe", referente ao caso de Eric Garner [vendedor de cigarros morto por asfixia por um policial em Nova York]. Qual a relação entre a morte de Garner e a situação russa?

    Nadezhda Tolokonnikova - Nossa performance na catedral tratou de questões universais, como direitos da mulher, liberdade de expressão e a aliança corrupta entre a igreja e o Estado.

    "I Can't Breathe" junta a preocupação com a brutalidade policial na Rússia com elementos dessa mesma brutalidade presentes nos EUA.

    O vídeo ainda sugere o conflito entre raças nos EUA, com a frase de Garner [que era negro]: "Não posso respirar!". A impossibilidade de respirar é uma metáfora da atmosfera política da Rússia. A dissensão politica se sente asfixiada.

    Como vocês acham que os russos vão receber o vídeo novo?

    Tolokonnikova - Muitos jovens perdem suas vidas, assim como Garner perdeu. É dificílimo comunicar a sensação terrível de abrir o jornal e ver que outro líder de oposição foi assassinado e seu corpo está jogado em uma ponte ao lado de onde você mora [referência ao assassinato de Boris Nemtsov, adversário do Kremlin, em fevereiro].

    Haverá palavras de revolta e indignação, mas ainda assim nenhuma revolução. O que podemos fazer é gritar mais alto sobre coisas que não deveriam acontecer.

    Qual o estado do ativismo político na Rússia?

    Tolokonnikova - Estamos preocupadas com a crescente profissionalização da política na Europa e nos EUA. Não queremos que a política seja só problema dos que elegemos. Deveríamos nos preocupar com eventos diários que impactam nossas vidas.

    Alyokhina - Queremos contagiar outros jovens na Rússia a se engajarem mais politicamente. Usamos uma estética mais pop para alcançar um público ainda maior.

    O Brasil está atravessando uma fase delicada, com vários protestos. O que o Pussy Riot teria a dizer a quem está indignado?¨

    Alyokhina - Organizem-se e protestem. Gritem alto até que sejam ouvidos.

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