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    Brasil não quer incomodar Evo, diz ex-senador boliviano

    FLÁVIA FOREQUE
    GABRIELA GUERREIRO
    DE BRASÍLIA

    29/03/2015 02h00

    "Quando entrei no Brasil, não poderia decidir aonde ir. Mas me perguntaram para onde queria ir. Se fosse de férias, seria o Rio. A trabalho, São Paulo. Mas sou político, quero fazer política, e decidi vir para Brasília."

    Desde agosto de 2013, a capital é o endereço do ex-senador boliviano Roger Pinto Molina, 55 –mais precisamente, um cômodo do apartamento funcional do senador Sérgio Petecão (PSD-AC), em bairro nobre da cidade.

    Ele ainda aguarda decisão do Conare (Comitê Nacional para os Refugiados) sobre seu pedido de refúgio após viver 453 dias enclausurado na embaixada brasileira em La Paz, de onde fugiu para o Brasil em operação coordenada pelo diplomata Eduardo Saboia.

    "Vivo com uma espada na cabeça. Não sei se amanhã vai ter um [policial] federal na porta dizendo 'você tem que abandonar o país'. Isso cria uma incerteza que não te deixa definir o futuro", disse à Folha.

    Diante da indefinição, Pinto Molina cria sua rotina: lê à exaustão jornais do Brasil e de países vizinhos. No período em que permaneceu no posto brasileiro em La Paz, conta ter lido cerca de 150 obras.

    Sergio Lima/Folhapress
    O ex-senador boliviano Roger Pinto Molina, no centro de Brasília, cidade em que está desde que chegou ao Brasil, em agosto
    O ex-senador boliviano Roger Pinto Molina, no centro de Brasília, cidade em que está desde que chegou ao Brasil, em agosto

    "No começo conseguia ler, mas depois a mente vai se atrofiando. Já não conseguia me concentrar."

    Após o período de clausura, o boliviano agora dá preferência a atividades ao ar livre. Pratica exercícios, pedala e corre no Parque da Cidade, na região central de Brasília.

    Evangélico, frequenta a igreja neopentecostal Sara Nossa Terra. O bispo Robson Rodovalho, ex-deputado, é seu "guia espiritual". Mas é o senador acreano quem ganha a alcunha de "pai e padrinho".

    Pinto Molina, no entanto, brinca que o apartamento do político é quase um "hospício" pelo constante entra e sai de moradores, já que Petecão tem como hábito abrir a casa para amigos e eleitores.

    "Agora tem um mudo e um surdo ali. Chega muita gente que vem fazer provas, se consultar, estudar", conta.

    O boliviano reconhece passar por limitações, "mas necessidades, não". Quando encontra passagens aéreas a preços acessíveis, troca o Distrito Federal pelo Acre, onde moram a esposa e as filhas.

    "Tem dias que eu não saio porque não tenho [dinheiro] para a gasolina. Tem muitos dias que comi pão com sardinha. Mas estou feliz aqui."

    Com ajuda das irmãs, vai pagando as contas. Prefere manter discrição sobre as economias. "Você vê que tudo o que você construiu está acabando. Mas isso não tira o sono. Um dia vamos repor."

    A insatisfação então recai sobre a demora na análise do pedido de refúgio –para ele, um caso "altamente político".

    "Parece que o Brasil tem esse sentimento de não querer incomodar [o presidente boliviano] Evo Morales, mesmo que, para isso, tenha que violar o direito de outras pessoas", alfineta.

    A espera, reconhece, não era previsível há dois anos, quando a fuga ao Brasil foi arquitetada. Hoje entende que aquele movimento desencadeou "todos os demônios da classe política" no Brasil.

    Ele faz referência à saída do então ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, e da sindicância aberta no Itamaraty para apurar a atitude de Saboia. "Quem sou eu para que, por minha causa, se destitua um chanceler no Brasil?", questiona.

    SEM ARREPENDIMENTO

    Molina diz que, caso tenha seu pedido negado, vai buscar refúgio em outro país.

    Perguntado se está arrependido, diz que "faria de novo". "Foi minha opção de vida. Do que posso reclamar? Deus me deu saúde boa, tenho família de primeira. Só fico triste por ter feito minha família sofrer."

    O senador, contudo, não é o único em compasso de espera. O então embaixador na Bolívia, Marcel Biato, perdeu a indicação para assumir o posto na Suécia, por decisão de Dilma Rousseff. Ainda segue lotado na sede do Itamaraty.

    Saboia aguarda o resultado da sindicância aberta para analisar o episódio. Recentemente, foi convidado para ser assessor da comissão de Relações Exteriores no Senado, mas precisará ser liberado pelo ministério.

    Molina afirma conversar com frequência com o companheiro de viagem –e questiona as consequências sofridas pelo amigo. "Em qualquer lugar do mundo, salvar uma vida é um ato humanitário e reconhecido por toda a sociedade. Aqui, ele foi vilipendiado."

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