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    México vive vendaval autoritário, afirma jornalista demitida

    SYLVIA COLOMBO
    DE SÃO PAULO

    30/03/2015 02h00

    Na mesma semana em que a organização Article 19, baseada em Londres, divulgou informe relatando que, no México, um repórter é ameaçado ou atacado a cada dia, Carmen Aristegui, 51, a jornalista mais importante do país, foi demitida da emissora de rádio MVS _parte de um conglomerado de mídia que possui ainda TV a cabo, provedor de internet e veículos impressos.

    "Não tenho dúvidas de que houve pressão do governo e de que a razão foi o fato de termos divulgado o caso da 'Casa Branca'. A emissora ficou também com nossos computadores e arquivos relacionados a essa e outras investigações", disse Aristegui em entrevista à Folha, por telefone.

    Com sua equipe de 17 jornalistas, todos também demitidos agora, Aristegui trouxera à tona a revelação de que a primeira-dama do país, a atriz de novelas Angélica Rivera, havia recebido uma mansão de US$ 7 milhões de Juan Armando Hinojosa, um empresário favorecido em várias licitações do governo.

    Alex Cruz/Efe
    Apoiadores da jornalista mexicana Carmen Aristegui fazem protesto contra sua demissão na Cidade do México, capital do país
    Na Cidade do México, apoiadores da jornalista Carmen Aristegui fazem protesto contra sua demissão

    O escândalo ajudou a dinamitar a popularidade do presidente Enrique Peña Nieto, que já vinha em queda desde a desaparição de 43 estudantes no Estado de Guerrero, em setembro do ano passado, em ação aparentemente comandada por autoridades locais e narcotraficantes.

    Segundo pesquisa divulgada na semana passada pelo jornal "Reforma", a desaprovação à gestão de Peña Nieto é de 57% da população.

    "Ele está contra as cordas. Não tem mais o apoio que havia alcançado no Congresso com o Pacto pelo México [aliança de partidos de oposição que permitiu aprovar projetos como a reforma energética], perdeu o respaldo popular e mostrou-se sem controle diante das autoridades regionais associadas aos cartéis. Também não tem quem o apoie no exterior", afirmou Aristegui.

    SOB PRESSÃO

    Para a jornalista –que comanda também o principal "talk show" da CNN em Español, ganhou prêmios de prestígio (Moors Cabot e PEN, entre outros) e possui mais de 3 milhões de seguidores no Twitter–, se ela está sendo alvo de pressão, é porque todos os jornalistas do país estão muito vulneráveis.

    "Estamos vivendo um vendaval autoritário que tem como principal alvo a liberdade de expressão. Houve uma regressão com relação a várias conquistas. Quando o escritor peruano Mario Vargas Llosa disse que o PRI (Partido Revolucionário Institucional) era a 'ditadura perfeita', nos anos 90, soava exagerado. Agora é uma realidade", diz.

    O escritor Juan Villoro, intelectual mexicano mais respeitado no país hoje, acrescenta: "A demissão de Aristegui mostra a política de encerramento do governo que, diante dos protestos nas ruas, decidiu blindar-se."

    Mesmo vozes críticas à jornalista saíram em sua defesa. O analista político Alejandro Hope afirmou: "Eu não escutava seu programa e seu estilo me irritava, mas sua voz não podia ter sido silenciada. O México não pode atravessar esse momento sem pluralidade".

    Os números divulgados pela Article 19 não são isolados. Segundo o Comitê para a Proteção de Jornalistas, baseado em Nova York, houve 656 avanços contra profissionais de imprensa no país nos últimos dois anos. Em 2014, foram 142 ataques físicos, 53 intimidações e 45 detenções arbitrárias, com seis mortes.

    Já a World Association of Newspapers and News Publishers declarou que "a censura leve se transformou em parte integral da complicada paisagem da mídia mexicana".

    O Article 19 acrescenta que, no interior, forças do Estado (Exército e polícia) já são responsáveis por mais ataques a jornalistas do que o crime organizado. Um exemplo é o caso do assassinato do jornalista Moisés Sanchez, no Estado de Veracruz, em janeiro, pelo qual estão sendo investigados policiais e o governador Javier Duarte de Sánchez.

    "Depois de Ayotzinapa, o mundo passou a olhar para cá com mais atenção, portanto o governo tem ainda mais necessidade de controlar o que é noticiado", diz Aristegui.

    Nos dias seguintes à demissão da equipe, a sede da MVS foi palco de protestos, nos quais as pessoas exibiam faixas com os dizeres "Yo Soy Aristegui" e "#aristeguinosecala".

    MÉXICOLEAKS

    A emissora afirma que não há ligação entre a reportagem sobre a "Casa Branca" e a demissão e a justifica dizendo que Aristegui usava seu espaço para divulgar propaganda do site Méxicoleaks.

    Formada por oito veículos, o site recém-lançado permite que denúncias anônimas sejam enviadas aos jornalistas.

    "Acreditamos que é uma maneira de investigarmos o que acontece nas estruturas corrompidas dos governos regionais, uma vez que os jornalistas do interior estão sendo calados ou se autocensurando
    por medo", diz à Folha Dulce Ramos, editora do site "Animal Político", formado há cinco anos por ex-jornalistas de grandes veículos e que possui 3 milhões de visitantes diários.

    Além do "Animal Político", integram o projeto as revistas "Proceso", mais prestigiada em noticiário político e com tiragem de 150 mil exemplares (6 milhões de visitantes no site), e a cultural "Emeequis", além de coletivos virtuais.

    Para o ex-editor da revista "Gatopardo", Guillermo Osorno, o Méxicoleaks é uma boa notícia, mas ele alerta para a importância que a TV aberta e o rádio ainda possuem. "A internet está crescendo, mas se concentra nas grandes cidades e na classe média."

    No México, apenas 38% da população está conectada, enquanto 97% consomem TV aberta, 81% se informam pelas rádios e 27% pelos jornais impressos.

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