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    Judeus ultraortodoxos se recusam a sentar ao lado de mulheres em aviões

    MICHAEL PAULSON
    DE "THE NEW YORK TIMES"

    10/04/2015 14h24

    Francesca Hogi, 40, já havia se acomodado em seu assento, no corredor, para um voo de Nova York a Londres, quando o homem que deveria ocupar o assento da janela, ao seu lado, chegou e se recusou a sentar.

    Ele disse que sua religião proibia que viajasse ao lado de uma mulher com quem não fosse casado. Irritada mas ansiosa por partir rápido, ela por fim concordou em mudar de lugar.

    Bryan Thomas/The New York Times
    Judeus ultraortodoxos chegam ao aeroporto John F. Kennedy; homens não sentam ao lado de mulheres
    Judeus ultraortodoxos chegam ao aeroporto John F. Kennedy; homens não sentam ao lado de mulheres

    Laura Heywood, 42, teve experiência semelhante em voo entre San Diego e Londres, com escala em Nova York. Ela estava no assento do meio - seu marido ocupava o do corredor - e o homem que tinha o assento da janela na mesma fileira pediu que eles trocassem de lugar.

    Heywood, ofendida pela ideia de que seu sexo a tornava companhia indesejável de viagem, se recusou."Não fui rude, mas considerei que o motivo do pedido era sexista, e por isso fui direta", ela disse.

    Crescente número de passageiros de avião, especialmente em viagens entre os Estados Unidos e Israel, agora estão revelando histórias de conflitos entre homens judeus ultraortodoxos que buscam seguir os preceitos de sua fé e mulheres que só querem ocupar o assento que reservaram.

    Diversos voos entre Nova York e Israel sofreram atraso ou perturbações no ano passado por conta disso, e a mídia social disseminou a indignação e provocou debates, o que resultou em uma iniciativa de protesto, uma petição online e um vídeo satírico de segurança de uma revista israelense sugerindo um traje de proteção para o corpo todo ("sim, isso é kosher!") para defender homens ultraortodoxos contra as mulheres sentadas ao lado deles em aviões.

    Alguns passageiros dizem que consideram pedidos de mudança de lugar como esses simplesmente surpreendentes, ou difíceis de compreender. Mas em muitos casos a questão expôs e amplificou as tensões entre as diferentes vertentes do judaísmo.

    Jeremy Newberger, 41, documentarista que presenciou um episódio como esse em um voo da Delta entre Nova York e Israel, está entre os diversos passageiros judeus que se sentiram ofendidos.

    "Fui criado como judeu conservador, e sempre fui simpático aos judeus ortodoxos", ele diz. "Mas um judeu chassídico entrou, com cara de grande desconforto, e nem mesmo falou com a mulher. Houve entre cinco a oito minutos de 'o que vamos fazer?' antes de a mulher aceitar trocar de lugar. A impressão que ele causava era a de ser um yutz", disse Newberger, usando o termo iídiche para "tolo".

    Os representantes dos ultraortodoxos afirmam que esse tipo de comportamento é anômalo e raro.

    "Acredito que esse fenômeno não esteja nem perto de tão frequente quanto as reportagens da mídia fazem parecer", disse o rabino Avi Shafran, diretor de assuntos públicos da Agudath Israel dos Estados Unidos, que representa os judeus ultraortodoxos.

    Mas múltiplos viajantes, acadêmicos e até mesmo as companhias de aviação afirmam que o fenômeno é real. O número de episódios parece estar aumentando, à medida que as comunidades ultraortodoxas crescem em número e confiança, mas também por conta das reações de outros passageiros a esses pedidos, seja por questão de conforto, seja por motivos políticos.

    "É muito comum", disse o rabino Yehudah Mirsky, professor associado de estudos judaicos na Universidade Brandeis. "O multiculturalismo cria uma linguagem moral sob a qual um grupo pode dizer 'vocês precisam respeitar meus valores'".

    Anat Hoffman, diretora executiva do Israel Religious Action Center, que criou uma campanha que insta as mulheres a não cederem seus assentos, diz que "tenho uma centena de histórias".

    E o rabino Ysoscher Katz, um estudioso do Talmude seguidor da ortodoxia moderna do judaísmo, mas que cresceu como parte da seita ultraortodoxa Satmar, disse que "quando eu ainda era parte daquela comunidade, e mais conservador, me esforçava muito por não me sentar ao lado de uma mulher no avião, por medo de esbarrar nela acidentalmente".

    As companhias de aviação, e os comissários de bordo, muitas vezes se veem apanhados entre os dois lados. Morgan Durrant, porta-voz da Delta Airlines, reconheceu o fenômeno, apontando que "essa dinâmica existe entre alguns usuários de nossos serviços. Estamos cientes dela, e fazemos o possível para resolver qualquer dificuldade antes do embarque".

    Outras companhias de aviação pouco têm a dizer sobre a situação, limitando-se a concordar em que diversos passageiros fazem diversos tipos de pedidos ao viajar, e que as companhias tendam atender a todos.

    Alguns passageiros encaram a questão com simpatia. Hamilton Morris, 27, jornalista de Nova York, diz ter concordado em ceder seu assento, em um voo de Los Angeles a Newark com escala em Chicago, porque isso parecia ser a coisa educada a fazer.

    "Havia um judeu chassídico sentado do outro lado do corredor, entre duas mulheres, e uma comissária de bordo me abordou discretamente e perguntou se eu aceitaria trocar de lugar com ele, porque o judeu chassídico estava desconfortável sentado entre duas mulheres", ele conta.

    "Aceitei o pedido. Todo mundo estava tentando ser polido, porque os funcionários das companhias de aviação não querem ofender passageiros por motivos religiosos".

    Mas Heywood, pesquisadora jurídica em Chula Vista, Califórnia, disse que havia se recusado a ceder o assento por motivos tanto políticos quanto de preferência de posição - o marido dela sofre menos estresse quando viaja em assentos de corredor. "Eu não quis colocar o conforto do outro passageiro acima do conforto do meu marido, sem motivo convincente", ela disse.

    Outros passageiros, como Andrew Roffe, 31, escritor radicado em Los Angeles, dizem ter debatido a ética da situação, como ele fez com um amigo quando Roffe descreveu a experiência de um voo que fez a Chicago pela United Airlines.

    Quando os passageiros começaram a embarcar, um judeu ultraortodoxo ficou no corredor e recusava sair de lá, retardando a partida por 15 a 20 minutos até que outro passageiro se ofereceu para trocar de lugar.

    "Meu amigo, que é ortodoxo, disse que isso era parte da tradição - o passageiro não queria se sentir tentado, na ausência de sua mulher. E eu respondi que aquilo era absurdo - a passageira ao lado dele era só uma mulher voando para casa ou para o trabalho, e cuidando da própria vida".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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