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    Visita de Dilma marca volta de relação produtiva, diz assessor de Obama

    PATRÍCIA CAMPOS MELLO
    DE SÃO PAULO

    19/04/2015 02h00

    Os EUA querem aproveitar a visita da presidente Dilma Rousseff a Washington, em 30 de junho, para "descongelar" uma série de acordos entre os dois países, como o de troca de informações militares, que permitirá ao Brasil importar armas com tecnologias sensíveis.

    A visita marca a volta "às relações bilaterais produtivas e frequentes de antes de 2013 [ano do escândalo de espionagem]", disse à Folha Ricardo Zúñiga, diretor sênior do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca.

    Pete Souza/Official White House
    Presidente Barack Obama conversa com Ricardo Zúñiga no Salão Oval da Casa Branca
    Presidente Barack Obama conversa com Ricardo Zúñiga no Salão Oval da Casa Branca

    Dilma cancelou sua visita a Washington em 2013 após o escândalo de espionagem da NSA (Agência de Segurança Nacional), que estava monitorando a presidente. Desde então, as relações entre os dois países ficaram paralisadas.

    Agora, os EUA têm como prioridades a cooperação com o Brasil em negociações climáticas, segurança e comércio, mas não se deve esperar a eliminação da necessidade de vistos para turistas brasileiros, diz Zúñiga, principal organizador da visita de Dilma e ponta de lança na reaproximação entre Cuba e EUA.

    Abaixo, trechos da entrevista que Zúñiga concedeu à Folha por telefone.

    *

    Folha - Qual é o principal objetivo da visita da presidente Dilma Rousseff a Washington?

    Ricardo Zúñiga - O principal objetivo é levar a relação bilateral ao nível mais produtivo e regular que existia antes de setembro de 2013 [quando houve o cancelamento da visita de outubro daquele ano, por causa do escândalo de espionagem da NSA].

    Havia uma intensa interação entre nossos dois governos, não só entre os líderes, mas a nível ministerial. E isso era muito importante para progredir em questões ligadas a facilitação de comércio e segurança, por exemplo.

    Havia interação crescente entre as sociedades brasileira e americana, as viagens estavam aumentando. Nós queremos trazer isso de volta, além de olhar para novas áreas de cooperação, como mudança climática.

    Vocês gostariam de ter com o Brasil acordo semelhante ao anunciado com a China, de compromisso de redução de emissões de carbono?

    Estamos muito interessados em ter progresso com o Brasil na medida em que nos preparamos para a COP em Paris [Conferência Internacional do Clima, em dezembro, em que serão discutidas metas para redução de emissões]. Queremos superar esse muro que tradicionalmente existe entre países desenvolvidos e em desenvolvimento nessas negociações.

    Esperamos que haja metas ambiciosas do Brasil, as Contribuições Pretendidas Nacionalmente Determinadas. Mas também queremos trabalhar com o país, por causa de seu tamanho e importância nas negociações.

    O Brasil, uma economia poderosa e emergente, tem um papel diferente a desempenhar, diferente do que foi visto anteriormente, como líder dos países em desenvolvimento.

    Que tipo de resultados concretos podemos esperar da visita?

    Há acordos que tinham sido resolvidos com o Executivo brasileiro e foram interrompidos que podem sair do papel. Como o acordo de céus abertos [que liberaliza as rotas aéreas entre os países]...

    E o Global Entry [programa para agilizar a entrada nos EUA de viajantes de baixo risco e pré-selecionados]?

    O Global Entry não estará pronto a tempo para esse encontro, porque há uma questão de funcionamento, especificamente de compartilhamento de informações, que é bastante complexa, especialmente para um país do tamanho do Brasil. Mas você conhece o acordo de segurança de informação militar?

    O GSOMIA [que prevê compromissos de confidencialidade de informação militar e abre caminho para venda de armas com tecnologias sensíveis]?

    Isso. O GSOMIA é uma prioridade para nós na visita. Nossos governos já assinaram o acordo, mas o lado brasileiro precisa ratificá-lo no Congresso. Do nosso lado, não é necessária ratificação, está pronto para entrar em vigor.

    Esse acordo é importante porque facilita a transferência de tecnologia sensível e a exportação dessas tecnologias. Esse acordo vai fortalecer nosso relacionamento na área de defesa e de inovação.

    Então não teremos nada em relação à dispensa de vistos para turistas brasileiros?

    Não, porque ainda há muito trabalho que o Brasil precisa fazer para satisfazer as exigências legais desse programa. Queremos muito continuar nossas discussões com o governo brasileiro e temos um diálogo bilateral para cuidar da questão. Mas nada disso estará pronto para a visita.

    Os EUA querem ter algum tipo de acordo de investimentos com o Brasil, uma vez que livre comércio é uma meta muito distante no momento?

    Essa é uma área que realmente estamos explorando. Queremos focar na agenda de comércio e investimentos. O progresso que fizemos no caso do algodão foi muito positivo e estamos em uma posição para a ratificação do acordo de facilitação de comércio da OMC [Organização Mundial do Comércio].

    Também vamos olhar para alguns setores específicos para chegarmos a um projeto de reconhecimento mútuo alfandegário [que facilita a exportação e a importação].

    Que papel o Brasil deveria desempenhar na crise da Venezuela?

    O presidente Obama já afirmou que nosso interesse é ver a Venezuela pacífica e próspera. O Brasil tem sido bastante ativo por meio da Unasul, tentando promover o diálogo interno. O Brasil e alguns países estão ajudando a garantir que haverá um ambiente equilibrado para as próximas eleições. Isso é muito importante.

    É necessário existir uma forte presença de observadores internacionais para dar confiança a todos os envolvidos nas eleições.

    A presidente Dilma deu a entender que não mais espera um pedido de desculpas formal de Obama por causa da espionagem, mas o governo tem expectativa de algum gesto dos EUA demonstrando que o Brasil é um parceiro confiável...

    Fizemos o convite porque o Brasil é uma potência na cena global e queremos fortalecer nossa parceria com o país. Nós apostamos no Brasil. Sabemos que o país está passando por dificuldades econômicas agora, mas queremos enviar uma mensagem de que vemos o Brasil como um ator global muito importante agora e no futuro, e essa é uma das relações mais importantes que temos no século 21.

    Nós temos uma visão de longo prazo para o relacionamento e queremos ouvir do governo brasileiro que áreas eles veem como potenciais para cooperação. Queremos passar uma mensagem de fé e confiança no Brasil.

    O Brasil quer aumentar suas exportações para os EUA. Nós ainda temos um deficit comercial com os americanos e não somos parte de iniciativas de integração. O que pode ser feito nessa área?

    O acordo de facilitação de comércio é muito importante, mas também queremos explorar o que é possível, queremos aumentar o comércio.

    E um acordo bilateral de investimentos, como o assinado com o Uruguai em 2005?

    É uma possibilidade, mas em não tendo isso, queremos achar outras maneiras de facilitar o comércio e investimento nas duas direções. E também estamos promovendo ativamente os investimentos brasileiros nos EUA.

    Os EUA gostariam que o Brasil recebesse prisioneiros de Guantánamo, como o Uruguai?

    O presidente está determinado a fechar a prisão e nós ficamos muito felizes porque o Uruguai aceitou receber seis dos prisioneiros. Continuamos discutindo com vários governos a possibilidade de receberem outros, mas não vou me adiantar no assunto.

    O sr. foi um dos principais negociadores da reaproximação entre Cuba e EUA. Agora que o país deve ser retirado da lista de patrocinadores do terrorismo, quais os próximos passos? Quando as embaixadas serão reabertas?

    O anúncio da retirada de Cuba da lista inicia a contagem de 45 dias. Se nesse período o Congresso não passar uma resolução conjunta para bloquear, o Departamento de Estado poderá efetivamente tirar Cuba da lista.

    No momento, estamos focados no estabelecimento de relações diplomáticas e a reabertura de embaixadas. O Departamento de Estado e suas contrapartes em Cuba estão negociando as condições para isso, determinando como os funcionários da embaixada poderão operar. Esse é o próximo grande passo.

    O sr. participou do encontro bilateral entre Obama e o ditador Raúl Castro no Panamá. Como foi a interação deles?

    Esse é o primeiro encontro em 50 anos, então foi mais uma apresentação. Foi uma discussão muito respeitosa. Ainda precisamos lidar com algumas questões bastante sérias, mas foi uma interação muito positiva, direta.

    Os dois puderam falar de forma bastante clara sobre como enxergam a relação bilateral e as preocupações que têm. Não foi apenas protocolar, eles falaram de forma bastante franca.

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