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    Em Baltimore, equipes de beisebol se enfrentam em estádio vazio

    JERÉ LONGMAN
    DO "THE NEW YORK TIMES", EM BALTIMORE

    29/04/2015 18h53

    No que teria sido uma perfeita tarde de primavera para tomar uma cerveja, comer um hot dog e assistir a uma partida de beisebol, um vazio fantasmagórico recebeu as equipes do Baltimore Orioles e o Chicago White Sox quando eles entraram em campo nesta quarta-feira (29) para o que se acredita tenha sido a primeira partida de beisebol profissional de primeira divisão jogada sem espectadores.

    Exceto por dois olheiros sentados atrás da home plate e de uma área de imprensa repleta de repórteres, os 45.971 assentos e os três deques do estádio Camden Yards estavam completamente vazios quando o primeiro arremesso foi feito, às 14h06.

    "Não é dessa maneira que alguém deseja fazer história", disse Chris Davis, que joga na primeira base pelo Orioles.

    A presença da polícia em torno do estádio parecia leve. Cerca de duas dúzias de fãs observavam o campo por trás de uma grade na porção esquerda do diamante, gritando "Os" no momento do "Oh, say can't you see" na letra do hino nacional.

    Mas o hino foi executado em gravação, e não cantado ao vivo, pela primeira vez em muito tempo.

    Os torcedores aplaudiram e gritaram quando o primeiro rebatedor de Chicago, Adam Eaton, foi eliminado sem rebatidas.

    Uma faixa dizendo "Go Orioles" pendia da sacada de um hotel próximo, de onde outros torcedores assistiam ao jogo.

    Greg Fiume/AFP
    Equipes do Baltimore Orioles e do Chicago White Sox no estádio Camden Yards
    Equipes do Baltimore Orioles e do Chicago White Sox no estádio Camden Yards

    Mas a tarde despertava uma sensação de vazio. A passarela da rua Eutaw, para além da ala direita do diamante, normalmente repleta de pessoas a caminho do restaurante, da barraca de churrasquinho e das lojas de suvenires que ficam do outro lado, estava fechada.

    Os guarda-sóis alaranjados das mesinhas de piquenique tinham suas cúpulas fechadas.

    Quando o primeiro rebatedor dos Orioles, o campista esquerdo Alejandro De Aza,errou três bolas no final do terceiro período antes de conseguir um walk, uma das bolas rebatidas fora da zona bateu na cerca e voltou ao campo.

    As outras duas caíram entre os assentos vazios e não foram recolhidas de imediato.

    E o mesmo aparentemente se aplica ao home run que Davis não demorou a conquistar, rebatendo para a direita.

    Apenas um operador de câmera de TV estava perto de onde a bola caiu. O silêncio era tamanho que Gary Thorne, o narrador dos jogos no canal de TV do Orioles, foi ouvido dizendo "tchau" quando a bola passou por sobre a cerca.

    Os refletores do estádio estavam acesos. O placar estava funcionando. O aquecimento dos rebatedores aconteceu como sempre acontece, e o som das rebatidas ecoava ruidosamente no estádio vazio.

    A bola parecia fazer muito barulho quando a luva do receptor a amortecia. E tudo isso só fazia por agravar a desolação do Camden Yards em meio à inquietação que tomou essa cidade problemática depois da morte de Freddie Gray, 25, um homem negro que morreu depois de sofrer severa lesão na coluna quando estava em custódia da polícia.

    Os Orioles estavam adiante por seis a zero depois do primeiro período, mas os sons intermitentes das sirenes do lado de fora do estádio traziam uma realidade mais sombria à tarde esportiva.

    Depois do adiamento de partidas na segunda e terça-feira, foi decidido que os times jogariam na quarta. Mas o jogo foi antecipado em relação ao horário previsto, 19h05min, por conta do toque de recolher que está em vigor.

    E o público foi proibido de comparecer por motivos de segurança e pela necessidade de usar a força policial da cidade em outras áreas.

    Adam Jones, campista central do Orioles e talvez o atleta negro mais popular de Baltimore, disse que na quarta-feira que o jogo seria importante ao oferecer uma pequena distração quanto aos problemas da cidade, por algumas horas, e acrescentou que "o esporte une comunidades em suas horas difíceis".

    Mas, dados os sentimentos convulsionados dos moradores de Baltimore e com a necessidade urgente de ter a polícia presente em outras partes da cidade, Jones disse que "faz sentido não termos público aqui, hoje".

    Como um jogo de primeira divisão sem torcedores aparentemente jamais havia acontecido, ninguém sabia bem o que esperar.

    "O mascote vai trabalhar hoje?", perguntou o treinador do Orioles, Buck Showalter, a jornalistas.

    Ele estava imaginando se o seu arremessador inicial, Ubaldo Jimenez, não se enervaria caso ouvisse o telefone instalado no banco tocando no estádio vazio, sabendo que isso indicaria que era hora de ser substituído.

    E ele brincou sobre a possibilidade de que as conversas dos repórteres na área aberta de imprensa causassem distração.

    Nos treinamentos de pré-temporada, disse Showalter, os Orioles usam gravações com o ruído da torcida para simular o que acontece nos jogos oficiais. "Não treinamos para jogar no silêncio", ele disse.

    O interbases J. J. Hardy, que está contundido e tratando de uma lesão no ombro direito, estava entre os diversos jogadores a brincar com a necessidade de controlar o que eles diriam em campo e no banco.

    "Muita gente terá de calar a boca no banco para não ser expulsa", disse Hardy antes do jogo. "Os árbitros poderão ouvir tudo que você disser".

    Zach Britton, o arremessador escalado para fechar o jogo pelo Orioles, imaginou quem recolheria as bolas arremessadas para as arquibancadas nos home runs, na ausência do público, e disse que talvez a tarefa coubesse aos reservas.

    "Se o nosso pessoal marcar um home run, correremos para apanhar a bola", disse Britton.

    Em tom mais sério, o campista central Jones descreveu os tumultos em Baltimore como um grito de frustração dos jovens da cidade.

    "A frustração deles é justificada; nós compreendemos", disse Jones.

    Ao mesmo tempo, falando a sobre a destruição de propriedades, ele declarou que não vê como aceitáveis essas ações. "No entanto, se você vier de onde eles vêm, vai entender. Mas acredito que arruinar a comunidade na qual você tem de viver jamais seja a resposta, porque você terá de acordar dentro de três ou quatro dias e voltar àquelas mesmas lojas de conveniência, voltar a todas aquelas lojas".

    Em lugar de jogar uma sequência de jogos contra o Tampa Bay em seu estádio, no final de semana, o Orioles enfrentará os Rays fora de casa, mas Showalter minimizou as dificuldades que a equipe enfrentaria com a inversão do mando.

    "Dizer que qualquer coisa pela qual passemos em um campo de beisebol, jogando na primeira divisão, causará dificuldade seria realmente insensível diante de tudo o que está acontecendo", disse Showalter.

    "Para nós, isso é coisa pequena em termos comparativos".

    Falando sobre a atmosfera ainda instável em Baltimore, Showalter acrescentou que "é uma grande honra poder tentar alguma coisa que talvez ajude um pouco".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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