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    Bairro de Baltimore onde negro foi morto espera pela próxima vítima

    GIULIANA VALLONE
    ENVIADA ESPECIAL A BALTIMORE

    30/04/2015 02h00

    Billy, 30, cresceu no bairro de Sandtown-Winchester, na cidade norte-americana de Baltimore, o mesmo de Freddie Gray, o jovem negro cuja morte gerou violentos protestos nesta semana.

    Viciado em drogas desde os 13 anos, foi preso diversas vezes e passou sete anos na cadeia, por porte de armas, tráfico e posse de drogas.

    "Eu me tornei um membro de gangue aos 13 anos. Meu pai não estava por perto, não tínhamos dinheiro e não havia nada para fazer depois da escola. Com 14 comecei a vender drogas."

    Win McNamee/AFP
    Estudantes protestam nas ruas de Baltimore cantando "Justiça para Freddie Gray"
    Estudantes protestam nas ruas de Baltimore cantando "Justiça para Freddie Gray"

    Embora trágica, sua história é comum no lugar em que vive. Sandtown –onde 97% da população é negra, contra a média de 63% na cidade e de 30% no Estado– é o bairro de Baltimore que mais envia homens para as prisões estaduais, de acordo com levantamento do Justice Policy Institute.

    Suas ruas são dominadas por dez gangues que atuam na distribuição de drogas e aumentam o índice de criminalidade na região. O número de menores de idade detidos no bairro chega a 252 a cada mil habitantes.

    A dependência química, especialmente heroína e medicamentos que não podem ser vendidos sem prescrição médica, é outro problema. De acordo com Shadow, 40, membro de outra gangue e ex-traficante de drogas, o índice na região é ainda maior que na cidade como um todo.

    Baltimore ganhou, no passado, o epíteto de capital norte-americana da heroína, que agora luta para apagar com programas públicos de ressocialização e tratamento.

    "Aqui, metade da população é viciada", diz Billy, que hoje trabalha no Centro de Recuperação Penn North, a dois quarteirões do epicentro dos protestos.

    "Várias crianças crescem com pais viciados ou que tiveram problema com a polícia. Elas já têm um grande alvo pintado em suas costas", afirma.

    "Você tenta mudar isso, mas é como tentar esquiar montanha acima: você sente que está se movendo, mas não na direção que espera."

    Editoria de arte/Folhapress

    LIXO NAS RUAS

    Os problemas econômicos de Sandtown são evidentes para quem passeia pelo bairro. Diversas casas ou terrenos estão abandonados –mais de 30%, segundo dados da Aliança de Indicadores dos Bairros de Baltimore– e há muito lixo nas ruas.

    O índice de desemprego na região é praticamente o dobro da média municipal, e 31% das famílias que moram ali vivem abaixo da linha da pobreza.

    "É quase impossível para essas pessoas conseguirem um emprego, ainda mais com um histórico criminal, o que a maioria tem", afirma Meg Ward, diretora-executiva da Patrick Allison House, que ajuda ex-detentos a se integrarem à sociedade.

    Kena Betancur/AFP
    Mulher protesta em Nova York na marcha "Solidariedade com Baltimore"
    Mulher protesta em Nova York na marcha "Solidariedade com Baltimore"

    Segundo ela, muitas das prisões não têm a ver necessariamente com a maior incidência de crimes no bairro. "Se um jovem em Sandtown fuma maconha, as chances de ele ser revistado e preso são infinitamente maiores do que um garoto num bairro rico de Baltimore", afirma.

    As interações com a polícia são reclamação constante entre a população do bairro. "Não importa se você está fazendo algo errado ou certo, eles sempre vão abusar de você", diz Billy.

    "Esses jovens crescem achando que ninguém respeita os seus direitos. E aí pensam 'Por que eu deveria respeitar as leis? Que se danem'", afirma Shadow.

    Apesar dos protestos com grande repercussão, para ele, é só uma questão de tempo até que haja outra morte como a de Freddie Gray.

    "Me ligue na semana que vem e te dou o nome do próximo Freddie."

    PROTESTO

    Nesta quarta-feira (29), os moradores de Baltimore fizeram um novo protesto contra a morte de Gray, após dois dias de tensões nas ruas.

    No início da noite, cerca de mil pessoas marcharam pacificamente em direção à prefeitura da cidade.

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