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    Desastre sobrecarrega templo de cremação no Nepal

    MARCELO NINIO
    ENVIADO ESPECIAL A KATMANDU

    04/05/2015 02h00

    Para Subarna Suresta, a morte é um ofício passado de pai para filho. Por 19 gerações, sua família tem sido responsável por rituais de cremação no templo de Pashupatinath, em Katmandu, que ficou sobrecarregado pelo terremoto que atingiu o Nepal.

    Nada apaga a dor de quem perdeu alguém no desastre, mas a religião hindu, praticada por 80% dos nepaleses, ajuda a aceitar o destino. Segundo ela, vida e morte são parte do mesmo conceito, a samsara (reencarnação).

    Mesmo para quem segue a religião e tem na morte um colega de trabalho ancestral, a tragédia que rachou o Nepal na última semana deixou uma marca profunda. Neste domingo (3), oito dias após o tremor, o total de mortos no terremoto superou 7.000, segundo as autoridades locais.

    Daniel Marenco/Folhapress
    Subarna Suresta, 49, no quarto onde trabalha; ele cuida de rituais de cremação em Katmandu
    Subarna Suresta, 49, no quarto onde trabalha; ele cuida de rituais de cremação em Katmandu

    Surestra trabalhou dia e noite para permitir que as vítimas do terremoto seguissem o caminho do renascimento. "Não é só um trabalho. É uma missão: dar condições para que os mortos sejam cremados de forma decente e cumpram o seu ciclo", diz.

    A dimensão do desastre impediu que essas condições fossem cumpridas individualmente. Não havia sacerdotes suficientes e começou a faltar sândalo, a madeira usada nas piras rituais.

    Para evitar que os corpos se acumulassem, os administradores do templo realizaram cremações coletivas. Em uma semana, mais de 500 corpos foram cremados em Pashupatinah. É 20 vezes mais que em tempos normais.

    Sentado num estrado de madeira no quartinho onde trabalha com vista para os ritos fúnebres, Suresta, 49, mantém-se sereno ao lembrar a tragédia. Para sua sorte, a morte ficou só no trabalho. Ele e a família escaparam ilesos, correndo para o quintal antes que a casa desabasse.

    GANGES

    Considerado um dos templos hindus mais sagrados do Nepal, com mais de 1.600 anos, o Pashupatinah fica nas duas margens do rio Bagmati, na periferia de Katmandu.

    Após a cremação, as cinzas são lançadas nas águas e levadas até o Ganges, o rio na Índia sagrado para os hindus. Segundo a crença local, quem morre no templo renasce como humano, mesmo se tiver cometido falhas que comprometeram o seu carma.

    Surestra conta que muitas famílias de vítimas do terremoto não tiveram condições de pagar as 8.000 rupias (R$ 236) pela cremação, e o templo abriu mão do dinheiro.

    Alguns nem sequer tinham família, como um faxineiro achado nas ruínas de um hotel. Ao lado da pira onde ele era cremado, foi pendurado um terno preto empoeirado, único pertence do morto encontrado nos escombros.

    No sistema de castas hindu, há ocupações hereditárias, o que explica a linhagem de cremadores Surestra. Mas a tradição familiar está em risco. O filho, de 20 anos, prefere trabalhar num cassino de Katmandu. "Isso não é bom para o carma", lamenta.

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