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    OPINIÃO

    Indignação pública chegou ao limite em Baltimore

    MICHAEL KEPP
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    04/05/2015 18h07

    Não acredite nos comentaristas cínicos da mídia que alegam que Marilyn Mosby, procuradora em Baltimore, acusou seis policiais da cidade no caso do jovem negro Freddie Gray porque ela temia novos tumultos

    Os tumultos, bem como protestos em outras cidades, irromperam porque a indignação do público diante da brutalidade policial contra jovens negros inocentes chegou ao limite, o momento em que o comportamento social cruza um limiar e se espalha como incêndio.

    Em Baltimore, manifestantes incendiaram edifícios para registrar sua indignação.

    Acredito que a decisão de Mosby tenha sido motivada por indignação, e não por medo.

    Mosby provavelmente também deve ter atingido o limite da paciência ao perceber que as numerosas mortes de jovens negros desarmados por policiais brancos, em diversos lugares dos Estados Unidos, não podem mais ser toleradas.

    Em outubro, pouco antes de se tornar a mais jovem entre os procuradores em qualquer das grandes cidades dos Estados Unidos, Mosby declarou que "faz 78 dias que Michael Brown foi morto na rua [de Ferguson, Missouri] por um policial, 101 dias que Eric Garner foi sufocado até a morte por um policial em Nova York e 54 dias que o legista de Nova York definiu o incidente como homicídio. Nenhum dos dois casos resultou em acusação formal", afirmou.

    Depois dos tumultos de 1965 em Watts, um bairro pobre de Los Angeles, Martin Luther King declarou que "um tumulto é o idioma daqueles que não são ouvidos".

    Ainda que King tenha definido os tumultos como uma forma de retórica "bárbara", ele compreendia que insurreições como essa ajudaram a dar forma à história norte-americana.

    Quando, em 1773, o governo britânico se recusou a ouvir os colonos da América do Norte que se opunham à pesada tributação que incidia sobre o chá britânico, eles se rebelaram e lançaram ao mar baús cheios de chá, no porto de Boston.

    O governo britânico respondeu com aspereza, deflagrando um incêndio que veio a ser conhecido como revolução americana.

    King compreendia as raízes das insurreições nos Estados Unidos. Por isso, dedicava menos tempo a condená-las e mais tempo a condenar aqueles que se limitam a denunciá-las, enquanto ignoram suas causas.

    Mosby, negra, filha e neta de policiais, também compreende o que causa os tumultos.

    Uma das causas é a desigualdade econômica que aflige os bairros negros pobres de Baltimore. Na comunidade em que vivia Gray, os índices de desemprego, pobreza e homicídio são duas vezes mais altos que a média da cidade, e a porcentagem de edificações abandonadas é quatro vezes mais alta que a média de Baltimore.

    Outra causa dos tumultos são a discriminação racial e a desigualdade econômica que grassam no sistema de Justiça criminal norte-americano.

    Homens negros acusados de crimes menores -muitos dos quais relacionados a drogas- por policiais brancos que empregam força desnecessária ao detê-los passam muito tempo na prisão por não poderem bancar advogados competentes.

    Ainda que os negros representem 13% da população, são 40% da população carcerária dos Estados Unidos.

    Um terço dos homens negros do país será preso, cedo ou tarde. E jovens negros desarmados correm risco 21 vezes maior de serem mortos a tiros por policiais do que jovens brancos.

    Mosby, armada dessas estatísticas, tomou uma decisão arriscada, porque a acusação raramente resulta em condenação.

    Processos contra policiais por brutalidade são notoriamente difíceis de vencer. Os júris virtualmente sempre conferem aos acusados o benefício da dúvida, porque os veem como bons homens com empregos difíceis e perigosos.

    Se Mosby vencer seu caso, mesmo que contra apenas um dos acusados, um novo limite estará sendo transposto: o momento em que um júri advertirá aos policiais de todo o país que seus abusos discriminatórios contra os homens negros não serão mais tolerados. Por quê? Porque as vidas dos negros importam.

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