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    ANÁLISE

    Extrair óleo do Ártico pode ser arriscado e agravar efeito estufa

    MARCELO LEITE
    ENVIADO ESPECIAL A BERLIM

    13/05/2015 02h00

    São duas as fontes de preocupação com a licença condicional do governo dos EUA para a empresa Shell perfurar poços no mar de Chukchi, no Ártico: a segurança da operação e sua contribuição para o aquecimento global.

    O mar de Chukchi fica ao norte do estreito de Bering, entre Alasca e Sibéria. Estima-se que possa conter 77 bilhões de barris de petróleo, o quíntuplo das reservas do Brasil. A Shell pagou US$ 2,1 bilhões para ter direito de explorar uma área ali.

    No entanto, extrair petróleo no Ártico constitui um desafio técnico considerável, em alguns aspectos pior que o do pré-sal brasileiro. Apesar de a maior parte desse mar ter pouca profundidade (cerca de 50 m, contra 2.000 m no caso do pré-sal), o gelo faz com que só fique navegável por quatro meses no ano.

    Ao se falar em Alasca e petróleo, a primeira coisa que vem à mente é o desastre do Exxon Valdez. Em 1989, o navio derramou 41 milhões de litros de óleo cru numa baía remota do golfo do Alasca.

    Nada parecido aconteceria no mar de Chukchi antes de 2022. Só depois disso a Shell começaria de fato a operar os poços. Até lá, o plano prevê perfurações de sondagem, para coletar dados. Mas esta fase já começou mal.

    Na primeira tentativa, em 2012, a sonda Kulluk –uma das duas em operação para a empresa no Chukchi e no vizinho mar de Beaufort– enfrentou fortes tempestades quando era rebocada.

    Em 27 de dezembro, partiu-se a alça na qual ia preso o cabo do rebocador. Quatro dias depois, após desastrada operação de salvamento, a Kulluk foi a pique no mesmo golfo do Alasca em que naufragara o Exxon Valdez.

    A partir daí, a Shell teve de enfrentar uma profunda auditoria de segurança. Esse processo se aproxima da conclusão agora, com a série final de condições estipuladas pelo governo americano para que a empresa possa voltar a operar no Chukchi.

    Editoria de Arte/Folhapress

    Ambientalistas são contra essa operação no Ártico não só por considerá-la localmente arriscada, mas porque reservas como essas garantiriam décadas de sobrevida à indústria do petróleo. E, com ela, a contínua emissão de gás carbônico (CO²) produzido pela queima de combustíveis fósseis, que agravam o efeito estufa.

    Os campos do Chukchi e do Beaufort, assim como as reservas do pré-sal no Brasil e do xisto nos EUA, são fontes ditas não convencionais de petróleo. Elas serão rentáveis apenas se o produto escassear (ou a demanda aumentar) e seu preço subir, o que agora voltou a acontecer.

    As reservas provadas de petróleo disponíveis no mundo, porém, não cabem no chamado "espaço de carbono" –ou seja, no orçamento de CO² que a humanidade tem para emitir, se quiser impedir que o aquecimento global ultrapasse os 2°C, acima dos quais o risco de eventos climáticos extremos seria excessivo.

    Nosso crédito de carbono está em 565 bilhões de toneladas de CO². Se gastarmos além disso, estaremos sacando a descoberto na conta da atmosfera e vamos pagar uma taxa de juros punitiva (ao pôr sob ameaça aquela meta de temperatura). Problema: as jazidas de combustíveis fósseis (petróleo, carvão e gás natural) somam 2.795 bilhões de toneladas de CO² –o quíntuplo do crédito disponível.

    A recomendação sensata de um analista financeiro seria não recorrer a esse cheque especial. Em outras palavras, deixar esse carbono nas profundezas do planeta –em especial naqueles locais em que é arriscado e caro extraí-lo, como no mar de Chukchi.

    O jornalista MARCELO LEITE viajou a Berlim a convite do Ministério das Relações Exteriores da Alemanha.

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