• Mundo

    Sunday, 05-May-2024 14:28:49 -03

    Desafiando EUA, Colômbia suspende pulverização em plantações de coca

    WILLIAM NEUMAN
    DO "NEW YORK TIMES"

    15/05/2015 18h42

    O governo da Colômbia rejeitou na quinta-feira (14) à noite uma das principais ferramentas da campanha de combate às drogas apoiada pelos Estados Unidos, ordenando a suspensão da pulverização aérea das extensas plantações ilegais de coca, a planta usada para produzir cocaína, citando a possibilidade de o spray ser cancerígeno.

    A decisão encerra um programa que vem sendo implementado há mais de duas décadas, colocando em dúvida a viabilidade das estratégias longamente aceitas na guerra às drogas na região.

    A Colômbia é um dos aliados mais estreitos dos Estados Unidos na América Latina e sua parceira mais constante em sua política antidrogas, mas a mudança de estratégia tem o potencial de acrescentar tensão ao relacionamento.

    Jack Guez - 23.jul.2003/AFP
    Avião pulveriza herbicida em plantação de Coca na Colômbia
    Avião pulveriza herbicida em plantação de Coca na Colômbia

    Na semana passada, autoridades americanas avisaram que a superfície usada no cultivo de coca cresceu 39% no ano passado, ao mesmo tempo em que diminuiu a pulverização aérea, que provoca polêmica no país.

    "O pessoal que comanda o combate às drogas nunca quer abrir mão de nenhuma de suas ferramentas, e dentro do governo dos EUA existem bolsões de insatisfação com esta decisão", comentou Adam Isacson, associado sênior do grupo de pesquisas Washington Office on Latin America.

    "A Colômbia e os EUA sempre estiveram em sintonia perfeita em relação à abordagem de linha dura" no combate ao tráfico de drogas, ele disse. "Esta é a primeira vez na memória recente em que surge uma divergência entre os dois países em relação a qual deve ser a estratégia".

    A decisão de pôr fim à pulverização, que tem o aval do presidente Juan Manuel Santos, foi tomada depois de uma agência da Organização Mundial de Saúde (OMS) ter declarado em março que o herbicida empregado, uma substância química de uso comum chamada glifosato, provavelmente causa câncer em humanos.

    A substância é o ingrediente ativo do herbicida amplamente usado Roundup e é o herbicida mais empregado no mundo. As autoridades colombianas disseram que uma sentença anterior da Suprema Corte colombiana havia previsto o fim da pulverização se fossem identificados problemas de saúde relacionados ao agrotóxico.

    A Agência de Proteção Ambiental norte-americana determinou que "faltam evidências convincentes" para que o herbicida seja considerado um fator de risco para câncer em humanos.

    Antes da decisão desta quinta-feira, os EUA tinham pressionado o governo colombiano a seguir adiante com o programa de pulverização. No fim de semana, o embaixador norte-americano em Bogotá, Kevin Whitaker, publicou um artigo de opinião no "El Tiempo", um dos principais jornais da Colômbia, defendendo a pulverização.

    Mas ele também destacou que a decisão colombiana não vai prejudicar as relações diplomáticas entre os dois países.

    "Esta é uma decisão soberana que cabe à Colômbia. Vamos respeitar isso e vamos continuar a usar as ferramentas que estão à nossa disposição, como a Colômbia quer que façamos, para continuarmos a ser parceiros da Colômbia nesta luta", falou o embaixador em entrevista um dia antes de a decisão ser tomada. "Dispomos de muitas ferramentas para ajudar a Colômbia a combater o problema da criminalidade transnacional e do narcotráfico."

    Segundo o embaixador, essas ferramentas incluem inteligência sobre o narcotráfico, incentivar agricultores a cultivar outras plantações, interceptar carregamentos de drogas, concentrar-se em fechar os laboratórios de drogas e apoiar os esforços para arrancar e destruir as plantações de coca manualmente.

    Aizar Raldes/France Presse
    Soldados bolivianos destroem plantações de coca em Caranavi, ao norte de La Paz
    Soldados bolivianos destroem plantações de coca em Caranavi, ao norte de La Paz

    O comitê do governo não proibiu na quinta-feira o uso do herbicida por agricultores que cultivam plantações legais e usam o produto apenas para matar as ervas daninhas, suspendendo apenas o programa de pulverização das plantações de coca.

    O programa de pulverização estava envolto em controvérsia antes mesmo da declaração feita em março pela Agência Internacional de Pesquisas sobre o Câncer.

    A Colômbia é o único país produtor de coca que usa aviões para pulverizar e matar as plantações. Os outros grandes produtores de coca, Peru e Bolívia, rejeitam a pulverização.

    Críticos na Colômbia dizem que a pulverização prejudica a saúde dos moradores da zona rural e causa danos ao meio ambiente.

    A pulverização também provoca a indignação de agricultores pobres, que muitas vezes sentem que não têm outra opção senão plantar coca para alimentar suas famílias.

    Mas os adversários da decisão da Colômbia dizem que o fim da pulverização pode levar a um aumento na produção de cocaína, beneficiando traficantes e grupos rebeldes como as Farc, que dependem do tráfico para boa parte de seus recursos financeiros e defendiam o fim da pulverização.

    Eles observam também que uma das opções alternativas –a erradicação manual das plantas– é perigosa porque envolve o envio de tropas e trabalhadores para áreas controladas por traficantes e grupos guerrilheiros. Muitos trabalhadores na erradicação já foram mortos ou mutilados por minas terrestres ou em confrontos em regiões de cultivo da coca.

    Daniel Mejía, diretor do Centro de Estudos de Segurança e Drogas, um grupo de pesquisas de Bogotá, considerou a pulverização ineficiente e contraproducente.

    "Eu recomendaria que sejam atacados os elos na cadeia do narcotráfico, os laboratórios onde a cocaína é processada, os grandes envios de produtos químicos. É ali que o tráfico intenso realmente se localiza, é onde está o crime organizado", disse Mejía. "Já está comprovado que atacar os agricultores não funciona."

    O ex-vice-ministro da Justiça Rafael Nieto questionou o fim da pulverização, dizendo que com isso mais trabalhadores da erradicação serão postos em risco.

    "Se a pulverização acabar, a receita dos traficantes, das quadrilhas criminosas e dos guerrilheiros vai aumentar muito, e o número de mortos e feridos, também", disse Nieto. "A produção de coca e de cocaína vão crescer. Haverá mais viciados, e mais gente vai morrer."

    O impacto da decisão sobre as negociações de paz em curso entre o governo colombiano e as Farc é incerto. Alguns críticos da decisão dizem que ela elimina um elemento crítico de pressão sobre o grupo que poderia empurrá-lo para um acordo de desarmamento.

    Tradução de CLARA ALLAIN

    [an error occurred while processing this directive]

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024