• Mundo

    Saturday, 04-May-2024 20:58:41 -03

    Venezuela é recordista em gravidez adolescente na América do Sul

    SAMY ADGHIRNI
    DE CARACAS

    17/05/2015 02h30

    Thalia Ciavato, 14, chora ao sair da Maternidade Concepción, no centro de Caracas. Ela acaba de saber que está grávida. "Fiquei com um rapaz e não tomamos nenhuma precaução. Agora não sei o que fazer", desespera-se a menina, ao lado da mãe.

    Moradora de uma favela, a jovem não contará a notícia ao rapaz. "É um cara mau, que assalta e mata. Não quero nada com ele", justifica.

    O caso ilustra uma realidade comum na Venezuela, onde a gravidez precoce se tornou caixa de ressonância das mazelas que assolam o país, como educação deficiente, violência e valores sociais distorcidos pela pobreza.

    Com mais de 22% de bebês nascendo de mães menores de 19 anos (dado de 2012 da ONU), a Venezuela é recordista em gravidez adolescente na América do Sul. No ranking latino-americano, está em terceiro, mas o governo disse recentemente que o país fica atrás só de Honduras.

    Mesmo assim, a Maternidade Concepción é um dos poucos lugares onde há atendimento gratuito. A cada manhã, a ala adolescente lota.

    Estefany Pereira, 15, mãe há um ano, acompanha a consulta da irmã Andreína, que, aos 16, já tem um bebê e está grávida do segundo.

    "Não tenho mais tempo para mim e preciso passar horas nas filas para comprar fraldas", lamenta Estefany, numa referência à escassez de produtos básicos no país.

    Estefany, Andreína e Thalia deixaram o colégio. A deserção escolar é devastadora para a economia dos lares mais humildes. "Se, em vez de ter filho com 17, as jovens tivessem aos 25, teriam mais opções de carreira, seguro médico e repouso até retomar o trabalho", diz a socióloga Lissette González.

    Outro problema são riscos de saúde aos quais se expõem mães muito jovens. Um terço das vítimas da mortalidade materna é de adolescentes.

    A gravidez de Thalia complicou-se. Médicos constataram atraso no desenvolvimento do cérebro do feto e cogitam aborto, permitido em casos de ameaça à vida da mãe.

    "É evidente que o corpo nessa idade não está pronto para receber um feto", diz a médica Natalia Salazar, da Maternidade Concepción.

    Editoria de Arte/Folhapress

    MAL CRÔNICO

    O aumento do número de jovens grávidas contrasta com a fecundidade média, que baixou de 3,2 filhos por mulher em 1990 para 2,4 em 2011. "A mulher de classe média tem cada vez menos filhos e cada vez mais tarde, mas, como a gravidez adolescente não baixa, cresce a fatia de bebês nascidas de adolescentes", afirma González.

    Parte do fenômeno se explica pelo ensino conservador. "A educação sexual é cheia de tabus. Muitos acham que falar de prevenção estimula a sexualidade, mas é o oposto: quanto mais consciência, maior a margem de decisão", diz Belmar Franceschi, da ONG Plafam, que atende mães adolescentes.

    Críticos dizem que autoridades torram fortunas para promover a ideologia bolivariana, mas nunca fizeram grande campanha de conscientização. Procurado, o governo não se pronunciou.

    A maternidade é opção de sobrevivência em meio à pobreza e violência. "Busca-se a proteção de um homem capaz de prover recursos e segurança. Muitas vezes, esse papel é do líder criminoso do bairro", diz Salazar.

    Para os especialistas, o pano de fundo é a cultura venezuelana, na qual o papel da mulher continua atrelado ao de mãe. Jovem mãe, Yulimar Pereira, 18, encarna esse sentimento. "É muito bom ter filho. Já penso no segundo."

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024