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    Milícia aproveitou tempestade de areia para encobrir ataque em Ramadi

    ERIC SCHMITT
    HELENE COOPER
    DO "THE NEW YORK TIMES"

    20/05/2015 02h00

    Combatentes da facção radical Estado Islâmico (EI) usaram uma tempestade de areia para obter vantagem militar crucial nas primeiras horas do ataque a Ramadi, capital da província iraquiana de Anbar, na semana passada.

    O fato ajudou em uma ofensiva que expulsou as forças de segurança iraquianas da cidade, disseram antigos e atuais funcionários do governo dos Estados Unidos na segunda-feira (18).

    A tempestade de areia retardou a intervenção de aviões militares norte-americanos e os impediu de lançar ataques aéreos para ajudar as forças iraquianas, como o EI já previra.

    Os combatentes usaram o tempo da tempestade para executar diversos ataques com carros-bomba, seguidos por uma onda de ataques terrestres na cidade e em torno dela, que terminaram por sobrepujar as forças iraquianas apoiadas pelos EUA.

    Quando a tempestade acabou, as forças do EI e do Iraque já estavam emaranhadas em pesado combate, em muitas áreas, impedindo que os pilotos pudessem distinguir inimigos de aliados, segundo os funcionários. Àquela altura, os militantes já haviam ganhado ímpeto que não houve como reverter.

    Reuters
    Moradores de Ramadi que deixaram a cidade após a invasão do EI chegam à periferia de Bagdá
    Moradores de Ramadi que deixaram a cidade após a invasão do EI chegam à periferia de Bagdá

    "A tempestade de areia no mínimo neutralizou capacidades que poderiam ter sido decisivas", disse um antigo líder de primeiro escalão das Forças Armadas norte-americanas, que falou sob a condição de que seu nome não fosse revelado.

    O episódio revela os limites do formidável arsenal aéreo dos EUA e também a falta de capacidade das forças iraquianas para reforçar e abastecer tropas sob ataque pesado, especialmente em Ramadi e em outras áreas da província de Anbar, onde o governo vem enfrentando dificuldade para recrutar soldados sunitas capacitados.

    Ainda que autoridades militares norte-americanas tenham contestado, na semana passada, a ideia de que o mau tempo prejudicou a efetividade dos ataques aéreos, outras autoridades nos EUA e no Iraque declararam na segunda-feira que as tempestades de areia desempenharam papel mais importante do que se reconhecia anteriormente.

    Editoria de Arte/Folhapress

    Combatentes do EI já haviam usado essa tática no passado -em janeiro, lançaram um ataque-surpresa contra as forças curdas na cidade de Kirkuk, mas sem resultados tão formidáveis.

    Funcionários do Pentágono disseram que os iraquianos retomarão Ramadi e mencionaram os 19 ataques aéreos realizados desde o fim da tempestade de areia.

    Mas o general Martin Dempsey, chefe do Estado-Maior Conjunto dos EUA e antigo comandante norte-americano no Iraque, ofereceu avaliação mais sóbria na segunda-feira.

    "Os ganhos do EI em Ramadi são um sério revés para os sofridos moradores da cidade", ele disse, usando outra sigla para o EI.

    "Também são um revés para as FSI". FSI é a sigla das Forças de Segurança Iraquianas.

    "Os revezes são lastimáveis, mas não incomuns em uma guerra", prosseguiu Dempsey. "Agora será necessário um grande esforço para recapturar a cidade".

    Como será impossível retomar Ramadi apenas com ataques aéreos, os EUA uma vez mais se veem envolvidos com o Irã em uma desconfortável guerra paralela contra o EI.

    Uma coluna de 3.000 combatentes de uma milícia xiita, muitos dos quais bancados pelo Irã, chegou a uma base militar perto de Ramadi como parte dos esforços de recaptura da cidade.

    Funcionários norte-americanos dizem que manterão sua campanha aérea enquanto as milícias forem comandadas por iraquianos, e não por seus assessores iranianos.

    "As milícias têm um papel a desempenhar nisso", disse o coronel Steve Warren, porta-voz do Departamento de Defesa. "Desde que sejam controladas pelo governo central iraquiano, há lugar para elas".

    As declarações de Warren foram muito diferentes das feitas dois meses atrás pelo general Loyd Austin, comandante do Comando Central dos EUA, quando começaram os combates para a recaptura da cidade de Tikrit.

    Em depoimento ao Congresso, Austin denunciou as milícias, que no passado conduziram uma campanha letal contra as forças norte-americanas de ocupação no Iraque.

    "Nunca cooperarei ou coordenarei ações com milícias xiitas -e espero que nós nunca o façamos", disse na audiência.

    Mas, no final, o governo dos EUA mudou sua posição e empregou o governo iraquiano como intermediário nos ataques aéreos contra o EI em Tikrit, enquanto as milícias xiitas operavam em terra.

    O modelo pode voltar a ser usado em Ramadi.

    Mas especialistas em política externa ressaltam que Ramadi não é Tikrit.

    Ramadi, capital da província de Anbar, o coração sunita do Iraque, é uma cidade maior e onde é mais difícil conduzir ataques aéreos sem provocar um grande número de vítimas civis.

    Uma campanha terrestre considerável seria necessária para retomar Ramadi, e existe o perigo de que, se a campanha for liderada por milícias xiitas, ela se transforme rapidamente em um banho de sangue sectário.

    "Não deveria haver expectativa de que as milícias salvem a situação", disse Landon Shroder, analista de informações para empresas que operam no Iraque.

    "Para algumas pessoas, a chegada das milícias a Anbar reforçará a mensagem do EI e, para outros, será vista como tão ruim, se não pior, que o EI".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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