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    EUA deveriam cooperar com Damasco contra EI, diz embaixador sírio

    ISABEL FLECK
    DE SÃO PAULO

    20/05/2015 03h00

    Os Estados Unidos deveriam fazer um acordo com o governo e o Exército sírios para combater a facção radical Estado Islâmico (EI) no país.

    A opinião é do embaixador sírio no Brasil, Ghassan Nseir, que afirma: "Nós também estamos lutando contra o EI e isso [ação da coalizão liderada pelos EUA] acaba servindo aos nossos interesses também".

    Em entrevista à Folha nesta terça (19) por telefone, porém, ele ressaltou: do jeito que a operação é conduzida hoje, sem o consentimento sírio, é "ilegal".

    Nseir critica a falta de "objetividade" da Comissão de Inquérito Independente da ONU sobre a Síria, presidida pelo brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro, que aponta violações de direitos humanos cometidos pelo regime sírio.

    "Não estamos dizendo que não há erros. Há erros isolados, não práticas sistemáticas. E todo mundo que cometeu esses erros terá que pagar", disse.

    Segundo a ONU, mais de 200 mil pessoas já haviam morrido no conflito sírio até o fim de 2014.

    Leia a entrevista abaixo.

    Ricardo Padue - 15.abr.2015/Brasil Noticia
    O embaixador da Síria no Brasil, Ghassan Nseir, fala durante palestra na Universidade de Brasília
    O embaixador da Síria no Brasil, Ghassan Nseir, fala durante palestra na Universidade de Brasília

    *

    FOLHA - A ONU iniciou uma terceira rodada de conversas para tentar acabar com a guerra na Síria. O que seu governo espera dessa negociação?

    Ghassan Nseir – Desde o início, as exigências da Síria são muito claras. Uma delas é que seja respeitada a vontade dos sírios e que o processo de negociações seja através do diálogo com os sírios. E que os que participem do diálogo sejam aqueles que não têm as mãos manchadas de sangue e nem pediram a interferência externa no país.

    Qualquer sírio honrado e que tenha amor à pátria está convidado a participar desse diálogo. O importante para nós é a unidade da Síria, a integridade territorial.

    Por que a tentativa de diálogo com a oposição, com a Rússia como palco, fracassou?

    Não é que não deu certo. Foi anunciado um documento com dez pontos, e o principal é o combate ao terrorismo e a não interferência nos assuntos internos da Síria por parte dos outros países. O problema é que temos várias oposições, umas ligadas à Arábia Saudita, outras à França, ao Reino Unido, ao Qatar, a Israel. Então é difícil negociar com oposições que não têm um interesse nacional. Esses países precisaram parar com esse apoio para que possamos sentar e negociar com os opositores sírios. Nós não aceitaremos diálogo com qualquer parte que tenha ligações com agendas externas.

    Esta é a primeira vez que o Irã é convidado para participar das conversas em Genebra para o fim da guerra. A inclusão de Teerã nas discussões pode ajudar?

    Do ponto de vista regional, o Irã tem um papel importante e vem ajudando o povo sírio, assim como os EUA ajudam outros países. Como podemos permitir a presença da Arábia Saudita, da Turquia, e não a do Irã? O Irã é uma potência regional importante e tem um papel importante naquela área.

    Há quem defenda que é preciso incluir nas conversas facções radicais como o EI e a frente Al Nusra.

    Nós queremos um Estado sírio democrático, civilizado, que respeite todos os componentes da sociedade síria. Nunca aceitaremos a participação desse pensamento impositivo e retrógrado que acha normal a degola e a crucificação de pessoas, a escravidão de mulheres, a destruição dos sítios históricos. Essa é a orientação que o EI e a Al Nusra querem implantar. Não vamos permitir que isso exista na nossa sociedade.

    Então a única solução para lidar com o EI é militar?

    A maioria dos membros desse grupo não é síria. E se eles ficarem na Síria, vão ser mortos. Ou então que voltem para os seus países para praticar lá o que estão praticando na Síria.

    Já o sírio que largar sua arma e voltar para os braços da sua pátria com certeza encontrará medidas de reinserção na nossa sociedade.

    Na última semana, os EUA realizaram, sem a autorização do seu governo, uma ação por terra na Síria para matar líderes do EI. Como seu governo avalia a atuação da coalizão?

    Em primeiro lugar, é ilegal pela Carta das Nações Unidas e pelo Direito Internacional que uma aliança militar invada um território sem ter a autorização do próprio país. [Mas] a partir do momento em que os EUA estão bombardeando alvos do EI e nós também estamos lutando contra o EI, isso acaba servindo aos nossos interesses também de combate ao terrorismo.

    Ao invés de bombardear e não ter o efeito desejado, eles deveriam fazer um acordo com o governo e o Exército da Síria, porque o nosso Exército já sabe como atuar para combater o terrorismo. Com um reforço desse, seria possível acabar com esses terroristas.

    O objetivo obscuro por trás dessa coalizão é justamente acabar com o Estado sírio e desestabilizar o país. Quem quer a verdade e quer combater o terrorismo tem que andar no caminho de Damasco.

    Então há interesse sírio em ações com os EUA?

    A Síria está disposta a cooperar com qualquer país que queira combater o terrorismo e respeite as resoluções do Conselho de Segurança. A responsabilidade de combater o terrorismo é internacional.

    Como é possível garantir que os ataques do governo contra o EI não atinjam também civis?

    Essa é uma das maiores preocupações do Exército sírio. Os militares começam sitiando o local e tentando tirar de lá o maior número de civis, para depois bombardear o local.

    Ao contrário do que se diz, o Exército sírio não apenas bombardeia. Há enfrentamentos por terra, uma série de outras operações que acontecem muito antes do bombardeio.

    Se as coisas estivessem mais bem definidas, para saber onde exatamente está o EI e a frente Al Nusra, aí sim as operações de bombardeio seriam mais frequentes e já teríamos libertado Aleppo e outras áreas. Infelizmente, em todo lugar onde há guerra sempre vão haver vítimas inocentes.

    Os EUA insistem que não há, no futuro político da Síria, papel para Bashar al-Assad. Como seu governo responde?

    Eles estão exigindo democracia e o presidente Bashar al-Assad foi eleito democraticamente pelo povo.

    O problema não é a presença de Assad, mas sim a posição dele em relação à causa palestina. Os EUA servem aos interesses de Israel, e se o presidente tivesse aceitado as exigências americanas na região, não estaria sofrendo tudo o que está sofrendo agora.

    O mais intrigante é que quando realizamos as eleições democráticas diretas, em junho de 2014, o Ocidente fechou todas as nossas embaixadas no exterior para impedir os cidadãos sírios de votarem porque sabiam que iam votar a favor do Assad. É isso que eles chamam de democracia?

    Como a Síria vê a abstenção do Brasil na votação da ONU em Genebra sobre violações de direitos humanos no país?

    Foi um passo positivo na posição brasileira. Agora ficou muito claro que existe [na Síria] o terrorismo e um Estado que combate o terrorismo. A resolução apresentada pelos britânicos é politizada e ignora o que os terroristas vêm fazendo na Síria. Ignora também todos os fatos apresentados pela Síria à Comissão de Direitos Humanos.

    Creio que o Brasil se absteve porque ela [a Comissão] ultrapassa seu mandato por não ter sido nem transparente nem objetiva.

    Nos relatórios recentes da comissão de inquérito da ONU sobre Síria, presidida pelo brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro, seu governo é acusado de prisões arbitrárias e tortura, entre outras violações. Como seu governo responde?

    Essa comissão deveria ser mais objetiva e ver os fatos como eles são. Não estamos dizendo que não há erros. Há erros isolados, não práticas sistemáticas. E todo mundo que cometeu esses erros terá que pagar.

    O fato é que o Estado está combatendo grupos terroristas armados munidos de armas pesadíssimas fornecidas por grandes potências. O que significa direitos humanos numa situação como essa, quando eles degolam pessoas, estupram mulheres e as escravizam?

    Só que a comissão reclama justamente de não ter autorização para entrar na Síria. Para exigir que eles façam um trabalho mais objetivo não seria ideal autorizar que eles entrassem no país?

    Quando a comissão levar em consideração os documentos -relatórios sobre massacres perpetrados por esses grupos terroristas- apresentados pelo governo da Síria, aí sim o governo da Síria pode levar em consideração um pedido de que ela entre no país.

    Mas enquanto preparar relatórios com conclusões precipitadas e não apresentar objetividade, não tem por que ser recebida lá.

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