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    ANÁLISE

    Brasil e México precisam superar desdém mútuo para crescer

    EMILIO LEZAMA
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    28/05/2015 05h00

    Das entranhas de seus inconscientes coletivos, México e Brasil observam o mundo com resignação. Construíram uma muralha de proteção que evita que tenham de enfrentar as inconveniências do sucesso.

    Acostumados ao drama de suas telenovelas, os dois gigantes da América Latina compreendem que, quanto mais próxima a vitória, mais intenso o sabor do fracasso.

    Por isso construíram uma retórica de autossabotagem. Os dois povos elogiam o próprio engenho com a mesma grandiloquência com a qual exaltam suas desgraças.

    Aprenderam a rir deles mesmos, mas de tanto rir terminaram por acreditar na piada. O Brasil é o eterno país do amanhã, o México, o país do "quase pronto".

    Roberto Stuckert Filho/Divulgação/PR
    Dilma discursa com Enrique Peña Nieto, presidente mexicano, durante visita ao país
    Dilma Rousseff brinda com Enrique Peña Nieto, presidente mexicano, durante visita ao país

    Fixados em sua autocompaixão, os dois não são capazes de erguer a vista e perceber que têm companhia em sua desgraça. Talvez a autoestima necessária a dar o passo final não seja endógena; às vezes, a união faz a força.

    Depois de duas guerras devastadoras e com uma nova ordem mundial na qual ela pela primeira vez não figurava, a Europa sentiu que seus dias de influência estavam contados.

    Mas compreendeu que a sobrevivência dependia de sua capacidade de ganhar força em forma de bloco regional. Em 2004, quando o presidente George W. Bush tentou intimidar o grupo de nações para que aderisse à sua guerra no Iraque, França e Alemanha cerraram fileiras e se opuseram ao poder norte-americano.

    A formação desse bloco político entre Paris e Berlim permitiu cimentar uma relação que serviu de contrapeso no concerto internacional. Unidas, França e Alemanha são capazes de propelir uma agenda regional e internacional que, separadas, não poderiam.

    HISTÓRIA DE AUSÊNCIAS

    O exemplo europeu é relevante no contexto da visita de Estado de Dilma Rousseff ao México. A história da relação entre México e Brasil é uma história de ausências.

    É tamanho o fracasso do relacionamento bilateral que os dois países nem mesmo puderam criar uma rivalidade sincera. Os dois gigantes se ignoram.

    O Brasil se afastou do México quando este assinou o tratado de livre comércio com os Estados Unidos. Para o Brasil, era um sinal inequívoco de rompimento do México com o sul do continente.

    O México também observa o Brasil com desconfiança. Desconfia de sua liderança por intermédio de instrumentos regionais como o Mercosul e de sua participação no grupo BRICs.

    Ainda assim, os dois países estão equivocados em seus diagnósticos. Apesar de suas extensas relações econômicas, México e Estados Unidos não são aliados políticos. A política externa mexicana vem resistindo à pressão norte-americana em medida muito maior do que outros países da região. O relacionamento com Cuba e a guerra do Iraque são claros exemplos disso.

    A mesma coisa acontece com o Brasil. A aliança política dos BRICs é unidimensional e inviável em longo prazo.

    CONTRAPESO LATINO

    Juntas, as economias do México e do Brasil respondem por 62% do Produto Interno Bruto (PIB) da região latino-americana. Unidas, formariam a quarta maior economia do planeta.

    Por isso, seria desejável a possibilidade de formar um bloco sólido e um contrapeso verdadeiro, capaz de zelar pelos interesses da América Latina.

    Se México e Brasil querem papel mais importante no concerto internacional, esta é sua oportunidade de conquistá-lo.

    Não obstante, desde que suas relações esfriaram, em 2005, Brasil e México vêm trabalhando de maneira separada e muitas vezes em sentido contrário. O sucesso econômico do Brasil na gestão de Lula e os desatinos da política externa mexicana nos governos Fox e Calderón abriram caminho para a liderança hegemônica brasileira na América Latina.

    O Brasil sentiu que já não necessitava do México para liderar. Mas a ilusão está se desfazendo. Nenhum dos dois países, sozinho, é capaz de gerar consenso. Nenhum deles é poderoso o bastante para enfrentar o mundo unilateralmente.

    Há dois anos, o mundo se maravilhava com o crescimento do Brasil e a imprensa internacional falava do "Mexican moment". Hoje a história é de crise e fracasso.

    Uma vez mais, os gigantes latino-americanos burlaram o sucesso e perpetuaram sua aparente vocação para a tragédia. A visita de Dilma ao México acontece no contexto dessa crise.

    SEM DISPOSIÇÃO

    Especialistas em perder oportunidades, os presidentes do Brasil e México privilegiaram o diálogo comercial, em seu encontro.

    Não pareciam dispostos a encarar os problemas que afetam a região. Que papel desempenharão nas negociações com Cuba? De que maneira podem apoiar o processo de paz na Colômbia? O que fazer com a Venezuela? Como enfrentar a corrupção que corroeu as instituições dos dois países e colocou em xeque o seu sucesso?

    México e Brasil se conhecem pouco e mal. Mas a formação de um bloco latino-americano liderado pelos dois seria grande notícia para a região: a chave para que a América Latina tivesse voz e voto na esfera internacional.

    Para além do comércio, Dilma e Peña Nieto deveriam assumir esse papel histórico e deitar as bases de um acordo político. Existem diferenças importantes entre os dois países, mas elas não são intransponíveis e há muito sobre o qual eles estão de acordo.

    Talvez apenas juntas as duas nações venham a conseguir deixar para trás os seus complexos e se converter em países do agora.


    O escritor e analista político Emilio Lezama é diretor da revista Los Hijos de Malinche e colunista do jornal mexicano "El Universal"; twitter: @emiliolezama

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